Uma dúvida muito comum na cabeça dos guitarristas com relação ao
corpo do instrumento gira em torno da questão se um corpo de peça única proporciona
um timbre melhor do que um instrumento feito com peças coladas. Muitas vezes lemos comentários extremos e desprovidos de fundamentação técnica, do tipo: "Instrumento de braço colado não presta!".
Para esclarecer
a essa complexa questão e fugir do senso comum, conversamos com três especialistas.
Cada um respondeu à sua maneira, porém todos mencionaram que o tipo de
construção ideal do corpo depende principalmente dos seguintes fatores: o nível
de estabilidade da madeira, que varia de acordo com a espécie, o corte e o
processo de secagem; e o método utilizado na colagem das peças.
Então, vamos às respostas?
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Marcelo Valedio |
Marcelo Valedio (Valedio Luthieria): “Não.
Se for peça única ou duas partes no esquema bookmatch,
o timbre vai ter qualidade, o quesito tonal (timbre natural da madeira) depende
de como foi tratada a mesma, tipo de corte, beneficiamento, secagem e outros
detalhes. Peça única fica esteticamente mais bonita em algumas espécies de
madeiras, mas se não for devidamente cortada e tratada, pode surgir com o tempo
o efeito encanoamento, isto é, a madeira entorta. Em outros casos, o blank colado em duas partes no esquema bookmatch - duas partes de uma mesma
madeira, com os veios interligados, propicia beleza estética e evita esse
efeito do encanoamento. Claro que o timbre final vai depender de outros
aspectos, como o hardware, captação, trastes, cordas, etc. Eu acredito na
influência da madeira em instrumentos sólidos, e consigo perceber diferenças,
por exemplo, em uma strato feita em ash
de outra em marupá. Já instrumentos com várias emendas é uma loteria, pode ser
que se tenha um timbre bom ou ruim (na maioria das vezes é ruim)”.
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Valter Bergamo |
Valter Bergamo (Nesher Custom Guitars):
“O risco de empenamento e rachaduras na região central do corpo aumenta
consideravelmente em algumas madeiras com corpo de peça única. Uma peça com
colagem bem feita e usando a posição das peças com veios espelhados, ajuda na
resistência da peça, evita rachaduras e não altera o timbre. Em muitos casos
fica até mais legal visualmente”.
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Emerson Santos |
Emerson Santos (EmerHand Custom Guitars):
“Bom, isso já foi amplamente discutido, sem se chegar a um veredito final, e
então, acabamos sempre ficando com a opinião pessoal ou experiência de cada luthier.
Minha opinião é a seguinte: estruturalmente falando, em questão de
estabilidade, acredito realmente que usar junção com inversão de veios, laminação
de centro, tanto para corpo como pra braço, ou mesmo as neck-through, com
longarinas, contribuem muito. Já que a questão do timbre do instrumento é muito
pessoal, pois depende de uma série de fatores, então, por que ter um
instrumento que é muito suscetível a empenamentos e variação por conta da
umidade relativa? Adianta você ter uma guitarra que tem um ótimo timbre, mas
que desregula constantemente e te atrapalha para tocar? Eu acho que nessa parte
o melhor é mesmo a interpretação do luthier de acordo com a madeira que vai utilizar.
Se você tem uma peça realmente linheira, bem seca, que você já sabe que é super
estável, dificilmente você terá problemas. De outro lado, se você tem uma peça
nobre e linda de uma madeira não tão estável, porque não utilizá-la por conta
da instabilidade? Some um centro reverso, uma longarina, duas... Fica bom, fica
bonito e realmente não acredito que isso vá influenciar negativamente no som. Esse
é o grande barato da luthieria pra mim. Observe, interprete e procure o máximo
de base teórica antes, mesmo que seja uma experiência. Assim você tem muito
mais chance de acertar.
O bom instrumento pra mim é aquele bem feito e com materiais de
qualidade. Não importa a marca. Nessas condições, é garantido que o músico vai
sim tirar um bom timbre do instrumento, seja ele de peça única ou composto por
mais partes. Já fiz guitarra de peça única no corpo e no braço e já fiz
guitarra com 29 colagens! Ambas se comportam muito bem!
Consideração final: eu prefiro instrumentos com mais partes coladas,
acho que são superiores. Agora, atenção: Cuidado com esses corpos de certas
marcas fabricados com emendas horríveis em qualquer canto do corpo, feitas
claramente para reaproveitar ou economizar madeira. Esse tipo de construção em
nada contribui para a estabilidade ou composição da estrutura do instrumento. Isso
sim deve ser evitado. Junções sempre devem ser realizadas com proporção”.
Nossos
agradecimentos aos luthiers Marcelo Valedio, Valter Bergamo e Emerson Santos
pela participação!
Boa!
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