Bate-papo sobre freijó com o luthier Henry Canteri (HC Guitars)

Saudações!

O freijó é uma das madeiras mais utilizadas pelos luthiers brasileiros na fabricação de instrumentos musicais de corpo sólido. Apesar disso, as informações que circulam na rede mundial de computadores sobre essa madeira são pouco confiáveis, pois muitos são os mitos e preconceitos disseminados em blogs e comunidades virtuais por pessoas   

Para iluminar a questão, conversamos com o luthier Henry Canteri (HC Guitars), de Bragança Paulista/SP, que além de possuir conhecimentos práticos sobre madeiras e outros assuntos que envolvem a arte da luthieria, também possui uma grande bagagem teórica (e uma biblioteca invejável).  

Agradecemos imensamente ao luthier Henry Canteri por mais uma enriquecedora participação.  


Blocos de Freijó
Guitarras Made In Brasil (GMB): Em termos sonoros, quais as características do freijó?

Henry Canteri (HC): Gostaria primeiro de agradecer e dizer que é muito legal fazer esta nova entrevista e passar um pouco de minha experiência com o freijó.

Vamos comparar em termos acústicos com valores de corpo de prova o freijó com outras madeiras.

O Freijó tem uma frequência de ressonância fundamental (Fr) de 195HZ. Uma velocidade de propagação sonora (C em m/s) de 5173m/s e um decaimento logarítmico (DL em m/s) 0,014m/s. Com base nisso, é uma madeira que reproduz bem os agudos tem um bom ataque e um ótimo sustain.

Mogno (Fr)166hz, Velocidade (C m/s) 4422 e decaimento (DL) 0,019m/s.

Cedro (Fr) 142hz , Velocidade (C m/s) 3770 e decaimento (DL) 0,025m/s.

Marupá (Fr)170hz , Velocidade (C m/s) 4519 e decaimento (DL)0,021m/s.

Sobre o ash, possuo somente informação da velocidade de propagação sonora de 4875 e acredito que outros valores do ash (FR e DL), devido a sua sonoridade mais brilhante comprovada em algumas guitarras que já tive em mãos, se assemelhem às nacionais com frequência de ressonância mais alta.

Em teoria, quanto maior a FR mais aguda a madeira. Quanto maior velocidade de propagação sonora (C) mais rápido a madeira responde ao estímulo, o que chamamos de ataque e, quanto menor o decaimento (DL), maior tempo a madeira continua vibrando o que chamamos de sustain.

Diferentes características sonoras entre as madeiras, embora existam, são muito pouco para se levar em conta quando se avalia o timbre do instrumento, Há outros fatores de peso como construção e captação por exemplo.

Tenho três teles HC aqui, uma de marupá, uma de cedro e uma de freijó (embora com top em pinho) com praticamente a mesma captação, todas com braço em maple e escala em bird’s eye maple. Em uma escala comparativa, a de marupá é a que tem o timbre levemente mais agudo, mas nada desequilibrado, pois médios e graves também estão lá, possui som mais estalado (twang), ou seja, muito mais ataque e menor sustain. A de cedro é bem equilibrada embora predominem os médios, não tem muito ataque e tem um sustain bom, tenho a impressão que ela está passando por um compressor. A de freijó com top em pinho tem bons agudos, mas sinto uma predominância maior dos médios e graves deixando o som mais quente, o que aparentemente choca e contradiz com a alta frequência FR de 195HZ encontrada nos testes, talvez devido ao top de pinho, das três é a que tem maior sustain, provavelmente devido ao peso especifico ser levemente maior que do marupá e do cedro e por seu decaimento (DL) ser realmente menor.

(GMB): Geralmente, o freijó é uma madeira muito pesada?

(HC): Pensando-se somente nas madeiras mais tradicionais para o corpo, diria que é de média para alta densidade, vou colocar alguns valores para comparação.

Freijó – 0,49g/cm3

Mogno - 0,48g/cm3

Marupá - 0,40g/cm3

Cedro – 0,43g/cm3

Alder – 0,45g/cm3

White Ash - 0.60g/cm3

Swamp Ash – 0,48g/cm3


Destaque para os veios
(GMB) Muitas pessoas afirmam que o freijó é o “ash brasileiro”.  Realmente elas sãos madeiras semelhantes?

(HC): Visualmente falando, sem dúvida o freijó é muito parecido com o black ash e com o swamp ash, um pouco menos parecida com o white ash. Freijó e ash são equilibradas em termos acústicos, mas acredito que se estivermos em busca das características do swamp ash, uma madeira mais leve como o marupá seria mais indicada, embora diferente visualmente.


(GMB) O freijó é uma madeira fácil de ser trabalhada?

(HC): Muito fácil de ser trabalhada, boa de furar, serrar, lixar... Um pouco de cuidado ao aplainar e fresar para que não lasque.


(GMB) Existe alguma restrição ou algum tipo de cuidado especial com relação ao uso do freijó na fabricação de instrumentos musicais? Ele serve tanto para o corpo quanto para o braço?

(HC): Não vejo problema em se usar o freijó para braço, embora prefira madeiras mais estáveis com menor contração volumétrica para esta aplicação, como mogno por exemplo. Para corpos de sólidos, com certeza! Também acredito que seja uma ótima madeira para se fazer laterais, fundo e até top de semiacústicas.

Acho que a tradição no uso de certas madeiras, principalmente pelos grandes fabricantes está mais ligada a oferta, preço e exigências mecânicas de cada parte do instrumento do que propriamente em características sonoras. Embora realmente existam diferenças acústicas entre as espécies em instrumentos sólidos, isso não é tão evidente para alguns ouvidos como em acústicos (com caixa de ressonância), ficando ainda mais sutis quando se compara com madeiras de características muito próximas.

Outro ponto é que madeira é um material natural e varia bastante, sendo que estes valores mencionados acima são valores médios, podem-se ter amostras de uma espécie que cruzam com valores dentro da faixa de outra espécie.

Ou seja, a madeira tem som diferente? Sim Tem.

É o principal fator de timbre no instrumento sólido? Não. É apenas um deles, deve ser levado em consideração, mas é de suma importância avaliar outros fatores como captação e construção.
Gostaria de acrescentar que temos no Brasil excelentes e belas madeiras para instrumentos (para não dizer as melhores). Luthiers brasileiros e internacionais já sabem disso há muito tempo, o livro “Manual of Guitar Technology” de Franz Jahnel, cuja primeira edição foi no ano de 1965, já citava várias madeiras brasileiras (cedro, mogno, jequitibá, peroba, freijó, jacarandá, dentre outras) para o uso em instrumentos. Então acredito ser muito importante dar o devido valor a madeira nacional.

Alder, ash, maple, baswood, poplar não são melhores que marupá, cedro, mogno, jequitibá. Mais importante que a espécie, é a integridade e qualidade da peça de madeira e saber suas características mecânicas, se tem tendência a rachadura, empenamento etc.




Referências Bibliográficas indicadas pelo luthier Henry Canteri:

- Evaluation of Selected Amazonian Wood species for musical instrument Manufacture  Harry Jan Van Slooten/Mario Rabelo de Souza (instituto Nacional de pesquisas da Amazônia).

- Classificação de madeiras para instrumentos musicais – Mario Rabelo de Souza (Laboratório de produtos florestais/Ministério da Agricultura)

- Manual of Guitar Technology (Franz Jahnel)

- “The Wood database” Website. (http://www.wood-database.com/freijo/)


CONTATOS HC GUITARS/LUTHIER HENRY CANTERI







Comentários

  1. Perfeito! =D
    Falou tudo, Freijó está entre as melhores que já usei em corpos, excelente madeira.

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  2. Que aula maravilhosa, sem contar que e uma madeira linda pra se fazer acabamento natural

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