Entrevista: Ademir Coelho Souza (ACS Custom Basses)
Elegância nos graves: conheça o
trabalho do luthier Ademir Coelho Souza (ACS Custom Basses) e seus singulares
contrabaixos.
Ademir Coelho Souza é
luthier e responsável pelo desenvolvimento e fabricação dos contrabaixos da ACS
Custom Basses, empresa mineira sediada em Belo Horizonte, referência quando o
assunto é luteria.
Há mais de trinta
anos atuando profissionalmente, sua lista de clientes inclui músicos como PJ
(Jota Quest), Adriano Campagnani (Beto Guedes e Flávio Venturini), Felipe Fantoni
(Toninho Horta e Renegado), dentre outros.
Todos os instrumentos
são fabricados à mão com muito capricho e elegância, utilizando matérias-primas
rigorosamente selecionadas de acordo com cada projeto.
Ao longo da entrevista
ele nos contou um pouco sobre como iniciou na luteria, as espécies de madeiras
brasileiras que utiliza em seus instrumentos, deu dicas valiosas para quem está
iniciando na profissão e muito mais.
Por Álvaro Silva (ahfsilva@gmail.com)
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Um arsenal de contrabaixos ACS Custom Bases. |
Como surgiu seu interesse pela luteria?
Ademir Coelho Souza: Cresci
“mexendo” com madeiras, pois meu pai tinha uma marcenaria. Em razão disso,
acabei me tornando marceneiro também.
Minha relação com
instrumentos musicais começou por volta dos vinte anos de idade, época em que
resolvi aprender a tocar violão. Entretanto, o primeiro empurrão que recebi em
direção à luteria ocorreu em meados dos anos 80, e veio de um aluno que tinha
no curso de crisma. Ele tinha alguma familiaridade com instrumentos musicais,
pois tocava em uma banda. Como eu estava a fim de comprar uma guitarra, resolvi
pedir algumas dicas a ele. Como eu era marceneiro, ele me aconselhou a
construir uma ao invés de comprar pronta, pois os instrumentos mais baratos não
eram bons.
A partir de então,
comecei a procurar informações sobre instrumentos musicais. Naquela época era
muito difícil consegui-las, principalmente porque a maioria delas estava em
inglês. Cheguei a iniciar uma cópia de uma Giannini Stratosonic, mas não
terminei o projeto. Um dos motivos foi que meu aluno me aconselhou a utilizar
peças importadas, pois as nacionais eram má qualidade. Naquele tempo, conseguir
peças importadas era muito difícil – elas custavam caro e eram difíceis de
encontrar.
Em razão das
dificuldades citadas, acabei comprando uma Giannini Supersonic usada. Como
tinha facilidade com marcenaria e havia feito um curso de eletrônica, comecei
fazendo alterações e regulagens na minha própria guitarra. Alguns amigos
ficaram sabendo que eu fazia esses serviços e começaram a me pedir para cuidar
dos instrumentos deles.
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Todo o requinte e sofisticação de um contrabaixo ACS. |
Ademir Coelho Souza: Quando
comecei não havia internet e conseguir qualquer informação era muito difícil. Certo
dia, um irmão mais velho que também era marceneiro, foi na casa de minha mãe e
viu um protótipo de guitarra pendurado na parede do meu quarto. Ele me perguntou
se eu estava fazendo uma. Disse que sim e expliquei a ele o motivo de não
ter terminado. Ele me falou que cortava corpos de guitarra para um luthier
chamado Caio Caravelli, e sugeriu que eu o procurasse. Segui o conselho de
meu irmão e levei meu protótipo ao Caio. Ele gostou do que eu estava fazendo e
me convidou a trabalhar com ele em tempo integral. Infelizmente não pude
aceitar o convite, pois fazia estágio e não sobrava tempo. Entretanto, acabei
trabalhando com ele durante uns seis meses apenas nos finais de semana.
Mais ou menos nessa
época – em 1989, resolvi publicar um anúncio num jornal americano e noutro
inglês falando sobre meu interesse em trocar informações sobre luteria com
profissionais desses países. Para minha surpresa, já no começo de 1990, recebi
um envelope com catálogos de um luthier americano chamado Gilbert Chavez.
O envelope continha diversos catálogos, inclusive um da Tobias Basses (onde ele
trabalhava) e um da loja Stewart MacDonald (compro peças com eles até
hoje).
Dito isso, posso
dizer que o saudoso Caio Caravelli e o Gil Chavez foram as minhas principais
inspirações.
Você poderia citar os nomes de alguns artistas com os
quais você já trabalhou?
Ademir Coelho Souza:
Graças a Deus trabalhei e ainda trabalho para grandes artistas de variados
gêneros musicais. Vou citar alguns: Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta, Jota
Quest, Skank, Paula Fernandes, César Menotti e Fabiano, Juarez Moreira, Adriano
Campagnani, Ivan Corrêa, Roger Franco, Rogério Delayon, Liminha (produtor RJ)
Sidney Carvalho, Fernando Vidal, dentre outros.
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Ademir à esquerda com o guitarrista e produtor Toninho Horta ao centro. |
A marca ACS vem se tornando referência de qualidade
quando o assunto é contrabaixo. Quais são as principais virtudes da marca?
Ademir Coelho Souza:
Fabriquei muitas guitarras, inclusive já tive uma fábrica de violões - a Fox
Guitars, mas sempre tive maior apreço pelo contrabaixo. Fechamos a fábrica da
Fox no final de 2007, e no período de 09 anos em que estive na Fox, a marca ACS
ficou parada e eu sumi do mercado como luthier.
Quando retomei o
trabalho como luthier em 2008, resolvi me dedicar especificamente ao
contrabaixo. O que posso dizer a respeito das virtudes da ACS, é que os anos de
trabalho como marceneiro e os 30 anos como luthier me deram um know how muito grande, seja na hora
da escolha das madeiras, quanto no momento do acabamento. No mais, é trabalhar
sempre com materiais de qualidade e gostar do que faz.
Você utiliza espécies de madeiras brasileiras na confecção
de seus instrumentos? Quais delas você destacaria?
Ademir Coelho Souza: Utilizo
preferencialmente madeiras brasileiras, pois aqui estão as melhores espécies.
Basta ver que elas são muito cobiçadas e utilizadas por profissionais e marcas
estrangeiras consagradas.
Hoje em dia muitas
madeiras são proibidas, pois foram exploradas indiscriminadamente sem terem
sido replantadas, como o jacarandá e o mogno, por exemplo.
Procuro ao máximo
trabalhar com madeiras de demolição e com algumas que ainda hoje são
comercializadas, mas muitas vezes difíceis de conseguir, como: cedro, imbuia,
pau-ferro, braúna, roxinho, amapá, pau-marfim, marupá (que inclusive é
uma das melhores em resonância) e freijó.
Qual é a importância para o luthier em desenvolver
instrumentos com design e outras características próprias?
Ademir Coelho Souza:
Penso que é importante dar identidade ao que se está fazendo. Já fiz muitas
cópias, hoje em dia não faço mais. No começo paga-se um preço por isto, pois a
maioria dos clientes quer uma cópia dos modelos famosos. Todavia, você tem que
convencê-los que o seu produto é tão bom ou até melhor que esses modelos. Massageia
o ego quando você vê um artista usando seu instrumento e
principalmente quando se recebe elogios por isso.
"Os instrumentos do Ademir (ACS)
são verdadeiras preciosidades. O meu Fretless de seis cordas me acompanha há
mais de duas décadas. Foram inúmeras gravações e shows. Até hoje por onde eu
passo ele impressiona pela sonoridade e acabamento. São instrumentos de altíssimo
padrão!” (Adriano Campagnani, baixista)
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ACS Bárbara Classic |
Quais conselhos você daria para o luthier que está
começando a dar os primeiros passos na profissão?
Ademir Coelho Souza:
Fazer um curso de inglês é importante, pois muita informação de
qualidade ainda é encontrada apenas nesse idioma. Também é muito importante
fazer um curso de eletrônica (pelo menos para aprender o básico). Ao longo dos
anos, percebi que muitos profissionais não conseguem sequer fazer com qualidade
uma simples troca de potenciômetro.
Outro aspecto
importante é a qualidade do material. É fundamental usar ferramentas e produtos
de qualidade. A maioria deles são importados e caros, mas é um investimento que
vale a pena, pois eles são duráveis e vão dar credibilidade ao
seu trabalho.
Por fim, buscar
melhorar a técnica a cada dia. Perfeição não existe, mas pode ter certeza, toda
vez que você olhar um instrumento que fez há algum tempo, vai sempre achar
algo que poderia ter ficado melhor.
Além da consagrada linha Premium, você está lançando uma
linha de contrabaixo com preços mais acessíveis ao público. Conte-nos um pouco
sobre esse novo projeto.
Ademir Coelho Souza: Infelizmente
nossa economia está muito instável há bastante tempo. Isso faz com que as
pessoas fiquem inseguras na hora de investir em um equipamento mais caro. E para
piorar a situação, veio a pandemia. Como o dólar está nas alturas,
resolvi mudar a estratégia e apostar em instrumentos de valor mais
acessível, possibilitando às pessoas a chance de adquirir um equipamento
de qualidade e com um ótimo custo benefício.
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ACS exPression |
Como foi sua experiência na feira Music Show? Qual é a
importância desse tipo de evento para os profissionais que atuam com luteria?
Ademir Coelho Souza: Participei
da primeira edição da Music Show. Minha condição financeira não
estava boa, mas a ANAFIMA (Associação Nacional
da Indústria da Música) estava proporcionando uma oportunidade que nós luthiers
nunca tivemos antes - estandes com preços justos e condições de pagamento
facilitado. Senti que era a chance de mostrar meu trabalho mais a
nível nacional. Efetivamente não fiz negócio na feira, até porque a maioria dos
instrumentos eram de maior valor agregado. Mas a aceitação foi muito boa e o retorno
pós-feira foi muito bom. Pretendo expor lá novamente, pois acho que a
Music Show é uma importante vitrine para nós que atuamos no setor handmade e é acessível.
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Estande ACS Custom Basses na Music Show 2018. |
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