Luthier Henry Canteri fala sobre o uso do cedro-rosa na luthieria
O cedro-rosa, batizado cientificamente de Cedrela odorata, é uma das madeiras mais utilizadas pelos fabricantes de guitarras brasileiros, sendo encontrado em várias regiões do país, principalmente nos biomas de Floresta Amazônica, Mata Atlântica e até mesmo na Caatinga (em menor quantidade). Além do uso na fabricação de instrumentos musicais, ele também é empregado em partes internas de móveis, molduras para quadros, venezianas, rodapés etc.
A fim de esclarecer alguns aspectos sobre o uso do cedro-rosa na luthieria, convidamos o luthier Henry Canteri (HC Guitars), profissional com vasta experiência na fabricação de instrumentos de cordas elétricos e acústicos, além de captadores, para explanar sobre o assunto.
Ao longo da
entrevista, Canteri falou sobre as características do cedro-rosa, trabalhabilidade
e mencionou uma interessante bibliografia para quem quer se aprofundar no estudo
das madeiras.
Por Álvaro
Silva (ahfsilva@gmail.com)
Seria possível definir as
características do cedro-rosa em termos de tonalidade?
Henry Canteri: Baseado em testes com
corpos de prova, o cedro (Cedrela Odorata)
possui as seguintes características:
Densidade média: 0,43 grs/cm3,
Frequência de ressonância fundamental: 142Hz
(entre Db3 e D3)
Velocidade de propagação sonora: 3770m/s
Decaimento logarítmico: 0,025m/s.
A tendência, mas não a regra, é que madeiras
leves tendem a ter maior velocidade sonora e maior decaimento, o que resulta em
maior ataque ou volume inicial e menor sustain,
enquanto madeiras mais densas tendem a ter uma velocidade de propagação e
decaimento menores, o que nos dá a sensação mais equilibrada de menor volume
inicial e maior sustain.
Outra tendência, mas não regra, são madeiras
densas terem frequência de ressonância mais alta.
Valores do mogno:
Densidade: 0,48grs/cm3
Frequência de ressonância Fundamental: 166Hz
(próximo a E3)
Velocidade de propagação sonora: 4422m/s
Decaimento logarítmico: 0,019m/s
Valores do marupá:
Densidade: 0,40grs/cm3
Frequência de ressonância Fundamental: 170Hz
(entre F3 e F#3)
Velocidade de propagação sonora: 4519m/s
Decaimento logarítmico: 0,021m/s
O cedro-rosa é uma madeira fácil de ser
trabalhada?
Henry Canteri: Sim, muito fácil. Por ter
granulação direita facilita muito o trabalho de usinagem em geral, aplainamento
e colagem, embora a textura seja um pouco mais grossa para lixamento
comparando-se ao mogno, que tem uma textura mais fechada e lixa melhor. Em
contrapartida, por ter granulação entrecruzada, o mogno é um pouco mais difícil
de usinar.
Corpo de telecaster em cedro-rosa com top em cedro figurado. |
Como é o cedro-rosa em termos de
estabilidade?
Henry Canteri: Muito boa estabilidade
dimensional, possuindo valores de contração:
Tangencial – 6,4%
Radial – 4,3%
Volumétrica – 12,2%
Bons valores, mas ainda longe do mogno, que é
mais estável e possui os seguintes valores de contração:
Tangencial – 5,7%
Radial – 3,3%
Volumétrica- 9,9%
É uma madeira de fácil acabamento e colagem?
Henry Canteri: Sim. O cedro é uma
madeira que apresenta boa colagem e acabamento. Entretanto, um pouco inferior
ao mogno no quesito lixamento, mas nada que seja desabonador.
Além de ser muito utilizado em corpos de
instrumentos sólidos, o cedro-rosa também pode ser utilizado para confeccionar
braços?
Henry Canteri: Sim. Na verdade, o uso do
cedro se originou exatamente na construção de braços. Braços de violões
clássicos já eram feitos originariamente em cedro, e até hoje este é o padrão
para clássicos.
A Martin, conceituada fabricante de
instrumentos musicais de corda, utilizou cedro em seus violões entre o período
de 1850 até 1916 aproximadamente, tendo depois optado pelo mogno.
A estabilidade dimensional do mogno é maior,
o que em meu entendimento não condena de forma alguma o uso de cedro para braços
de acústicos e elétricos de cordas de aço. Talvez, poderia ser interessante dar
um pouco mais de atenção na utilização de peças com corte bem radial para um
resultado estrutural melhor.
Quem gosta de cedro e tem algum receio de
usar em braços, embora não seja necessário, pode combinar usando uma longarina
de maple como reforço, por exemplo.
Blank de cedro-rosa tigrado para confecção de braço. |
É verdade que o cedro-rosa pode ser utilizado
como substituto ao mogno? Em que aspectos eles se assemelham?
Henry Canteri: Tem muitos aspectos que
se cruzam. São bem parecidos esteticamente, algumas diferenças não tão sérias
na trabalhabilidade e estabilidade. Pode sim ser uma alternativa ao mogno.
Considerações finais:
Henry Canteri: Diferenças físicas e
sonoras entre espécies de madeiras existem, não há duvida sobre isto. Quanto à
diferença no resultado do produto final, já começa a ser um fator variável.
Em um instrumento acústico, e aqui estou
falando de instrumentos com caixa de ressonância, a escolha da madeira por suas
características sonoras é, a meu ver, primordial, e assim vai...
Em semiacústicas elétricas, já começamos a
ver uma diminuição entre a influência das características sonoras da madeira e
o som do instrumento em si, pois entra nesta equação, entre outros fatores, a
captação, por exemplo. Embora ainda percebamos que muito da coloração em torno
do som, como harmônicos em torno do fundamental ataque e sustain provenientes de cada espécie de madeira estão ainda muito
presentes em acústicas elétricas e semiacústicas.
Já em sólidos elétricos, esta influência
acaba ficando bem menor, ainda mais se pensarmos que para corpos a grande
maioria usa e compara madeiras de densidade média e com características sonoras
muito próximas, e penso que embora existam diferenças dependendo das madeiras
que se está comparando, em sólidos elétricos elas podem ser até imperceptíveis.
Fatores como construção e escolha de componentes acabam tendo um impacto bem
mais perceptível. Todavia, entendo que tudo em um corpo que vibra tem
influência no resultado sonoro final, então, quando projetando um instrumento,
por que não levar toda a informação existente em consideração para se chegar ao
melhor resultado estético, funcional e sonoro desejado?
Estudo é importante, mas sempre confie no seu
feeling. Ele é sua melhor ferramenta.
Para quem quer se aprofundar no assunto,
deixo aqui algumas boas referências bibliográficas:
- Classificação de Madeiras para instrumentos
musicais – Mario Rabelo de Souza (Min. Da agricultura – Laboratório de produtos
florestais).
- Avaliação de espécies madeireiras da
Amazônia selecionadas para
Manufatura de instrumentos musicais – Harry
J.V. DerSlotten – Mario Rabelo de Souza.
-Manual of Guitar Technology – Franz Jahnel.
-Engineering the guitar – Theory and Practice
– Richard Mark French.
Luthier Henry Canteri em ação. |
Confira
maiores informações sobre o trabalho do luthier Henry Canteri (HC Guitars) no Facebook, Instagram e YouTube.
Excelente materia e sugestões de leitura. Gostaria de entender por que o Maple, com variação volumetrica maior que o cedro (14,4% segundo wood-database.com), é recomendado para ser usado como reforço se estabilidade para braços de cedro? Obrigado
ResponderExcluirBoa pergunta. Não é devido a contração volumétrica, é devido a ser uma madeira mais densa e em conjunto com o cedro vai deixar o braço mais rígido, até se usar 3 peças de cedro coladas longitudinalmente no braço ajuda a reforçar, devido ao cruzamento de fibras... outro ponto que deve ser observado é que a variação volumétrica diminui bastante quando a madeira (seca) esta impermeabilizada com verniz. Imagine uma escala de ébano 19,6% de contração volumétrica colada em um braço de cedro, e esta é uma combinação bem comum...Daí a importância de se trabalhar com madeira bem seca.
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