Bate-papo sobre madeiras com o luthier Ariel Frainer (Frainer Custom Guitars)

Quando brutas são belas, porém desprovidas das acentuadas curvas que lhes conferem o charme fatal. Representam o alicerce daquele objeto de seis cordas que tanto amamos. Acho que já deu pra sacar que o assunto do nosso bate-papo de hoje são as madeiras, né? Pois bem, para esclarecer algumas questões sobre o assunto, conversamos com o luthier Ariel Frainer, que além de construir guitarras (Frainer Custom Guitars), também comercializa madeiras e acessórios na loja Luthieria Brasil. Em pauta: dicas, desmistificações e um pouco sobre madeiras brasileiras.
Registrados aqui nossos sinceros agradecimentos ao Ariel Frainer pela canja no Guitarras Made In BraSil.
Segue a entrevista.


Guitarra Frainer com top de Imbuia
Guitarras Made In Brasil (GMB): Algumas pessoas em fóruns sobre guitarras e instrumentos musicais disseminam a afirmação polêmica de que a madeira não influi no timbre da guitarra. Esta afirmação é uma verdade ou um mito?

Ariel Frainer (AF): Esta é uma questão realmente bastante controvertida, em que temos duas correntes mais extremas: uma que defende que a madeira não influencia nada (idéia defendida, inclusive, pelo curso de luthieria da Universidade Federal do Paraná); outra que supervaloriza a madeira, como se ela atuasse por si só. Entendo que é um conjunto, todas as etapas da construção influenciam o timbre, o que representa um entendimento intermediário entre as duas acima citadas. Se não influenciasse nada, acredito que não faria sentido grandes marcas, como a Gibson, por exemplo, gastarem verdadeiras fortunas importando Mogno e Ébano. Outro ponto a se destacar, se não houvesse influência alguma, as guitarras com os mesmos hardwares deveriam soar todas exatamente iguais, independentemente da madeira.
Em conclusões obtidas na construção de instrumentos musicais, notei a diferença e a influência das madeiras no timbre. É um conjunto, madeira do corpo (eventualmente um tampo), madeira do braço e escala que vibrará de determinada forma, que produzirão um timbre característico daquela combinação, que serão captadas e amplificadas. De igual importância temos as ferragens e parte elétrica, e a construção do instrumento. De nada adianta o corpo ser em mogno e ser mal construído.


(GMB): Outro assunto recorrente nesses ambientes de discussão gira em torno da questão da guitarra em peça única ser “melhor” do que uma composta de mais de uma parte. Esse tipo de comentário realmente procede ou depende da estabilidade da madeira?

Marupá com top  Canela Preta
(AF): Acredito que esta questão segue a mesma lógica acima apresentada, a peça única por si só não fará milagres, a construção ainda é o mais importante. Acredito que a diferença de timbre de uma peça única ou um corpo em duas peças bem colado seja imperceptível.  Um fato a se destacar é que quanto mais larga a peça (peça única, no caso), o acanoamento da peça ocorrerá mais facilmente. Esta é uma questão mecânica das fibras da madeira, que são sensíveis às variações do ambiente (calor, frio, umidade, clima seco, etc), e se a peça é única, por ser mais larga, os veios têm uma abrangência maior, será mais fácil de ocorrer o acanoamento. Assim, em tese, duas peças coladas seriam mais estáveis que uma peça única. Na prática, percebemos que uma peça única, se bem seca e estável, dificilmente apresentará problemas, além de ser esteticamente mais agradável aos olhos. 


(GMB): Quais são os aspectos que devemos considerar para identificar uma boa madeira para ser utilizada na confecção de instrumentos musicais?

(AF): Primeira questão a ser considerada é o resultado que se deseja obter, seja em timbre ou
em estética, ou uma combinação de ambos. Se você deseja um timbre tradicional de tele, por exemplo, você deve considerar a utilização de madeiras semelhantes com as utilizadas “tradicionalmente”. Se você pretende deixar a guitarra com acabamento natural, valorizando a madeira, um cuidando importante a ser tomado é a combinação das madeiras, para que não haja “informação” demais e aquilo que era para ser destacado, acabar ficando em segundo plano. Sobre a madeira ser boa ou não, independentemente da espécie, deve-se considerar se ela está seca, estável e a qualidade da madeira (se não é revessa, “peluda”, etc.), se tem muitas imperfeições, como nós. Quanto mais linheira a madeira, mais ela tende a ser boa de se trabalhar e ser mais estável.


Jacarandá-da-Bahia
(GMB): Vez ou outra temos notícia de alguns fabricantes nacionais e importados de guitarras sendo acusados de utilizar “madeira verde” na fabricação de instrumentos musicais. O que é madeira verde e como evitar?

(AF): Madeira verde é a madeira que não está seca, ou seja, ainda tem umidade (água) dentro dela. Uma madeira pode estar cortada há “x” anos, por exemplo, e isso não significa que ela está seca, pois ela pode estar em um ambiente que é muito úmido, impossibilitando que ela seque completamente de forma natural.
As madeiras utilizadas em fábricas, em produção em série, via de regra, são secas em estufas. Utilizar-se desta tecnologia não é o problema, o problema é se o processo não for realizado corretamente. O que ocorre, às vezes neste processo, é que a madeira está seca por fora, mas por dentro ainda está verde, também conhecido como “madeira murcha”.
Outro ponto a se destacar é que a madeira por ser um produto natural está sujeito a inúmeras variáveis, sendo influenciada pelo ambiente em que está. Desta forma, é comum uma madeira trabalhar conforme muda de ambiente. Por exemplo, uma madeira produzida, cortada e seca na América do Norte é remetida para a China, que é outro clima, provavelmente trabalhará até se climatizar ao novo ambiente e depois de produzido o instrumento, ele é remetido a outros lugares do mundo, e a madeira sofre novamente a climatização no novo ambiente. Essas reações são mais perceptíveis no braço do instrumento, que muitas vezes sofrem torções.


(GMB): Existe alguma dica para combinação das madeiras levando-se em conta o aspecto tonal?

Telecaster corpo em Cerejeira
(AF): Existem algumas combinações tradicionais e já bastante utilizadas, como, por exemplo:
Telecaster/Stratocaster/Jazz Bass/Precision Bass: corpo em Ash, Alder, Marupá, Freijó; braço em maple ou marfim; escala em maple, marfim ou jacarandá (rosewood)/ Les Paul/SG: corpo e braço em mogno; escala em ébano ou jacarandá (rosewood).
Eu, particularmente, gosto de usar corpo em Freijó ou Mogno, tampo de Imbuia ou outra madeira nacional com um figurado legal; para braço/escala costumo utilizar Pau-Ferro ou Louro Preto. As opções de madeira são inúmeras e as combinações também, pode-se fazer uma combinação legal e obter um resultado interessante.


(GMB): Quais espécies de madeiras brasileiras se destacam para a fabricação de corpos, braços e escalas para guitarras?

Braço inteiriço de Pau-Ferro
(AF): O Brasil é um país tropical com a maior floresta do mundo. Consequentemente, temos a
maior variedade de espécies de árvores e madeiras. Dentre as espécies nacionais existentes vou destacar algumas mais conhecidas, lembrando que existem muitas outras que também podem utilizadas.
Para corpo temos Marupá (também conhecida como Caxeta em algumas regiões do Brasil), Freijó, Cedro Rosa, Mogno, Cerejeira, Jequitibá, Tauari Amarelo (densidade semelhante ao Marupá), Araucária (Pinho-do-Paraná).
Para braço temos Marfim, Tauari Branco, Tauari Pardo, Roxinho, Imbuia, Louro Preto, Pau-Ferro, Jacarandá (e suas variações), Jatobá, Mogno, Cedro Rosa, Jequitibá, Freijó e Cerejeira.
Para escala temos Marfim, Tauari Branco, Tauari Pardo, Roxinho, Imbuia, Louro Preto, Pau-Ferro, Jacarandá (e suas variações), Jatobá, Ipê, Canela, Canela-Preta, Cumaru, Sucupira, Amarelinho (Pequiá-Cetim), Braúna.



  Review Frainer Telecaster



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