Bate-papo com o luthier Alexandre Carrozza (Carrozza Custom Guitars)


Olá, pessoal!

Nesta edição, conversamos com o luthier e proprietário da Carrozza Custom Guitars, Alexandre Carrozza, oficina localizada na cidade de Jaú, São Paulo. Ele desenvolve um trabalho bem legal utilizando máquinas CNC (Comando Numérico Computadorizado) no corte e modelagem dos corpos e braços dos instrumentos musicais que levam a sua marca, fato que não elimina completamente o trabalho manual e artesanal do processo de fabricação, pois para a elaboração dos comandos da máquina, realização de acabamento fino (lixamentos), pintura, montagem e demais ajustes, são indispensáveis o toque e o ouvido do luthier. Além de explicar um pouco sobre o processo de produção automatizado, ele nos contou um pouco de sua trajetória profissional, do belíssimo modelo de guitarra Stella e sobre sua visão de mercado para guitarras custom.
Registramos nossos agradecimentos ao Alexandre, que prontamente atendeu nosso convite para a entrevista.

* Obs: Clique nas fotos para  obter melhor visualização.


Guitarras Made In BraSil (GMB): Como começou a Carrozza Custom Shop? Você já atuava profissionalmente no segmento?

Carrozza STX Flamed Maple Top
Alexandre Carrozza (AC): Minha vida como músico começou em 1988. Em 1990 eu tive meu primeiro contato com um luthier, viajei dez horas de ônibus para levar minha guitarra para consertar na luthieria do Tiguez, que fica na cidade de São Paulo. Fiquei tão fascinado com o trabalho que ele fez na minha guitarra, que ao chegar em casa, resolvi tentar fazer o mesmo em uma outra que eu tinha. Acontece que nessa tentativa acabei com ela. Resultado: tive que voltar a São Paulo para consertá-la também.
Apesar dessa tentativa frustrada, não desisti. Com a intenção de aprender, continuei a mexer nas guitarras, sendo que em 1992 comecei a realizar pequenos consertos em guitarras de amigos. Em consequência disso, os serviços foram aumentando, já que aqui no interior de São Paulo, não existia ninguém que trabalhava nessa área. Lembro também que na época era muito difícil obter acesso a informações sobre luthieria.
Em 2005, conheci o Roberto Santana (N Zaganin), que me incentivou a melhorar as minhas habilidades na arte da luthieria. Falando nisso, me recordo que em 2007 eu estava trocando a ponte da guitarra de um amigo e o corpo quebrou ao meio! Não tive dúvidas, fui falar com o Roberto. Chegando lá, pelo fato de ter uma marcenaria de primeira na família - meu Pai é marceneiro há 50 anos - ele me intimou a fazer um novo corpo. Como eu nunca havia feito algo parecido, resolvi tentar a sorte. Comprei algumas máquinas que estavam faltando e comecei as atividades.
No final de 2008 terminei minha primeira guitarra. Cheguei a concluir uns 70 instrumentos utilizando tupias superiores, inferiores, serras de fita, dentre outras máquinas de marcenaria. Como sempre fui fascinado pela tecnologia e sou perfeccionista, em 2009 conheci e adquiri uma máquina CNC (Comando Numérico Computadorizado), e aí a coisa ficou chique! Com a chegada da CNC migrei grande parte das etapas da produção para esse sistema.


(GMB): Acompanho o trabalho de alguns profissionais pela internet, e percebo que a maioria das encomendas são réplicas de guitarras fabricadas por marcas renomadas e/ou utilizadas por artistas famosos. Tendo em vista esse fato, compensa investir no desenvolvimento de produtos com características próprias?

Carrozza LPX
(AC): Todos luthiers que eu conheço, começaram com uma Strato ou uma Tele. Esses modelos são praticamente uma iniciação nessa profissão. Muitos ficam neles, optando por não fazer modelos próprios ou modelos mais arrojados. Eu também comecei assim, porém atualmente não fazemos mais réplicas. Temos nossos próprios modelos com nossa identidade registrada neles.
Em minha opinião, compensa sim investir e criar, pois cada Strato que é feita no mundo, por mais que o luthier mude o headstock, a marca que será lembrada sempre será a da criadora, no caso, a Fender.
Nós temos vários modelos que são criações inteiramente nossas e nos orgulhamos por isso.


(GMB): Você é um dos poucos profissionais que desenvolvem no Brasil um trabalho “custom shop” utilizando máquinas CNC (Comando Numérico Computadorizado). Quais são as vantagens desse processo produtivo?

Carrozza STX
(AC): É verdade. Não conheço muitos que usam aqui no Brasil, e nos dedicamos demais nos projetos e nas estratégias para sempre ter um instrumento perfeito para o cliente.
As vantagens na utilização da CNC são muitas, como: economia das madeiras, eu perdia muitas peças quando usava máquinas pesadas e também não conseguia garantir uma precisão nos encaixes; ganho no tempo de produção, pois enquanto a máquina executa um projeto, você pode começar realizar outras tarefas; você tem mais segurança ao realizar as atividades; se a máquina for de boa qualidade, a sua precisão aumenta muito e os recursos são ilimitados, costumo dizer que o limite está no programador dos percursos da ferramenta;
Posso citar também uma atividade difícil de ser executada sem a utilização da CNC, que é a elaboração de uma escala com raio composto. Todas que eu vi até hoje feitas sem a utilização da CNC não são de raios compostos, mas sim dois raios que o luthier consegue alinhar com lixas, o que não é uma escala composta. Ela somente pode ser feita utilizando a CNC, executando cálculos matemáticos nos eixos XYZ.
Outra coisa importante, você pode fazer os shapes dos corpos e braços 100% idênticos, coisa que é bem difícil no sistema manual ou de maquinário pesado, e alinhar todas as partes da guitarra com cálculos e perspectivas usando softwares específicos, e não régua, lápis e papel (nada contra, pois já fiz muito isso).


Telecaster em fase final de acabamento
(GMB): Existe alguma desvantagem?

(AC): Não vejo nenhuma desvantagem na fabricação de instrumentos top de linha, porém se você for fazer instrumentos de extremo baixo custo (como esses que são feitos na China e vem para o Brasil para o fabricante colocar seu logo) não compensa, devido ao custo e velocidade de produção no CNC. No entanto, os modelos mais caros dessas mesmas marcas com certeza utilizam algumas operações feitas em CNC.


(GMB): Um modelo que você fabrica que me chamou muito a atenção, principalmente pelo design, foi a guitarra Stella. Conte-nos um pouco sobre as características/especificações dela.

Carrozza Stella
(AC): Essa guitarra tem o design idealizado por um amigo (Hudson Couto). Começamos a falar sobre esse projeto, que ficou esquecido por uns cinco anos.  Certo dia resolvi começar meus próprios modelos, e pedi a ele que me cedesse o desenho e a autorização para realizar alterações de uma forma que representasse mais a nossa cara. Fizemos várias mudanças no projeto inicial, alteramos ponte, o sistema de captadores, a escala e o tróculo, chegando a esse maravilhoso modelo. A princípio, a guitarra seria menos espessa e com braço parafusado, porém mudamos para braço colado e aumentamos a espessura dela para uso da Floyd Rose.
A Stella tem as seguintes características: corpo em Mogno; top em Maple ou Eucaliptus King; braço em 5 peças, sendo Mogno com longarinas em Jacarandá e escala em Ébano ou Jacarandá; captadores EMG, (5766 ou 81x ou 85x); ponte Floyd Rose tradicional ou Floyd Rose non fine tuner; tarraxas Gotoh ou Grover; escala com 635mm e 22 trastes. É uma guitarra muito confortável e versátil. Vale a pena comprovar!


(GMB): Você já participou como expositor na NAMM, importante feira de instrumentos musicais que acontece na cidade de Anaheim, no estado da Califórnia, Estados Unidos. Como você vê o mercado brasileiro para guitarras custom em termos de qualidade e rentabilidade do negócio?

(AC): Participamos da NAMM 2015 em Anaheim e foi uma experiência incrível! Mesmo sendo a primeira vez como expositores em uma feira internacional, o retorno foi espetacular! Nossos instrumentos foram muito admirados lá fora pelos visitantes. Foram apontados como nossos pontos fortes: o acabamento, afinação, sonoridade e sustain. Já vendemos para mais de quinze países e o negócio vem se expandindo a cada dia.
O mercado brasileiro vem crescendo, porém faltam incentivos fiscais e tecnológicos. Temos profissionais de alto gabarito no Brasil e não devemos nada para ninguém. Entretanto, o próprio brasileiro não acredita em “santo de casa”, por isso acho que leva tempo ainda para o negócio se tornar mais rentável e estável.

Luthier Alexandre Carrozza em ação



 Usinagem em CNC braço do modelo Stella


CONTATOS CARROZZA CUSTOM GUITARS


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Bate-papo sobre freijó com o luthier Henry Canteri (HC Guitars)

Bate-Papo sobre imbuia com o luthier Marcelo Valédio (Valédio Custom Guitars)

Bate-papo sobre louro-preto com o luthier Ariel Frainer (Frainer Custom Guitars)