Bate-Papo com o luthier Henry Canteri (HC Custom Guitars)

            Saudações!

Na nova edição da nossa Seção Bate-Papo, conversamos com o luthier Henry Canteri, de Bragança Paulista/SP, que desenvolve um trabalho bem interessante frente a HC Custom Guitars. Valendo-se de seus conhecimentos em projeto industrial e constantes estudos em luthieria, ele desenvolve vários tipos de instrumentos de corda, inclusive, é claro, nossas amadas guitarras e respectivos captadores. Tudo é feito de maneira artesanal, porém sem perder o apuro técnico-científico necessário para produção de resultados satisfatórios aos olhos e ouvidos.
                Fica aqui nossos sinceros agradecimentos ao Henry, que cedeu um pouco do seu apertado tempo e nos concedeu uma entrevista bem interessante.
               
*Obs: clique nas fotos para obter melhor visualização.

Guitarras Made In BraSil (GMB): Antes de ser luthier, você exercia a profissão de projetista industrial, correto? O que te levou ao mundo da luthieria?

Henry Canteri (HC): Ainda trabalho como projetista em uma multinacional, é um trabalho que eu gosto muito também. Eu tocava violão e guitarra e sempre gostei de regular meus instrumentos, mas sentia muita falta de opções no mercado nacional. Imagine a situação no final dos anos 90 em relação ao que tínhamos no mercado... Resolvi procurar um luthier famoso para cotar um violão e não tive a resposta e atenção que gostaria, então decidi começar, conheci um senhor que fazia viola caipira em uma cidade vizinha e tentei fazer um curso com ele, sem sucesso, pois ele trabalhava mais como um montador, comprava braços e tampos e só montava no molde, aí vi que estava por mim mesmo se quisesse realmente aprender, enfiei a cara na internet lendo e estudando tudo o que podia, salvando e imprimindo artigos que depois encadernava. Fiz meu primeiro violão usando somente ferramentas grosseiras manuais, e como gostei do resultado obtido mesmo sem recursos, resolvi vender todos os meus instrumentos na época (um violão Ovation USA e um Yamaha 12 cordas) e investir em madeiras, tarraxas, livros, e algumas ferramentas e dispositivos básicos, de lá pra cá não parei mais de estudar e de trabalhar como luthier.
Hoje tenho uma biblioteca com aproximadamente 60 títulos entre livros e DVDs, e continuo lendo tudo que de alguma forma se relacione com luthieria.


(GMB): De que maneira seus conhecimentos em projeto industrial lhe ajudaram na luthieria?

Semi-acústica
(HC): Ajudaram-me muito na parte técnica, pois, como projetista, tenho que ter conhecimento matemático para aplicar em cálculos e também conhecimento sobre características físicas e mecânicas dos diversos materiais, sem mencionar a importância do desenho e do conhecimento em inglês técnico, isto transportei para a luthieria, da mesma forma que tenho que saber os elementos químicos e características físicas e mecânicas em uma liga de cobre, por exemplo, eu acho importante conhecer dados como densidade, contração volumétrica, freqüência de ressonância das espécies de madeira, etc. Outro ponto é que meu conhecimento como projetista me ajuda muito quando necessito fazer algum dispositivo ou máquina, a maioria de minhas máquinas hoje são projetos meus, entre elas uma CNC, duas lixadeiras, duas bobinadeiras de captadores e um carregador magnético para dar carga nos imãs dos captadores. Recentemente este conhecimento técnico também me ajudou no desenvolvimento do protótipo do B-Bender da Tele-Scrap, um pedido do meu filho - o guitarrista Matheus Canteri.
Também acontece o inverso, o conhecimento adquirido em luthieria acaba desenvolvendo e somando conhecimento técnico ao meu trabalho como projetista, pois luthieria abrange e exige conhecimento em vários campos como: física, matemática, eletrônica, etc. Enfim, é uma via de duas mãos.

Violão double neck
(GMB): Em alguns de seus projetos, você utiliza algumas espécies de madeiras nacionais (Cedro, Jequitibá, Freijó, Pau-Ferro, Pau-Marfim, etc.). Existe alguma que você destacaria em termos sonoros?

(HC): Para sólidos não vejo diferença qualitativa no uso de madeiras nacionais em comparação as importadas, uso muito Freijó, Cedro, Marupá e Mogno (mas este já é consagrado), o maior problema que vejo é a dificuldade em encontrar madeira nacional cortada corretamente para uso em instrumentos. Gosto muito do Marupá e do Freijó para corpos. Fico triste quando vejo pessoas queimando (criticando) o uso do Marupá em instrumentos, pois essas pessoas se baseiam em análises sem fundamento ou em trabalhos mal feitos.
Especificamente para tampos de acústicos acho que não temos no Brasil nada que chegue perto das coníferas da Europa e Hemisfério norte como os Abetos, Sitka Spruce, Adirondak, Engelman, Western Red Cedar, dentre outros.
Não podemos esquecer o Jacarandá-da-Bahia, imbatível para escalas, pontes, laterais e fundo de acústicos. Infelizmente é uma madeira praticamente extinta.


(GMB): Pelo que percebi os instrumentos que você fabrica não são simples réplicas de outros instrumentos. Esse fato é uma proposta de trabalho sua ou decorre de pedidos dos clientes?

Purple Dream
(HC): Ambos. Acho que isto vem um pouco também da profissão de projetista, eu gosto de desafios e de fazer instrumentos diferentes. Estou sempre estudando possibilidades, geralmente não gosto de repetir projetos. Procuro algo que saia da cabeça para o papel e deste para a madeira. Para exemplificar, embora tenha a CNC, não a uso para usinar diretamente os instrumentos e acho seu uso muito bacana para quem tem intenção de ter uma linha de produção, mas eu a uso para fazer dispositivos como, por exemplo, meus próprios gabaritos para usinar as cavidades dos pickups ou usinar meu logos em madrepérola. Gosto mesmo de trabalhar com ferramentas manuais, meus instrumentos archtop, como mandolins e semi-acústicas, são cavados a formão, com a ajuda de gabaritos que me guiam no processo manual para um resultado preciso. Alguns projetos vem de clientes que procuram algo realmente custom e me passam uma ideia básica para eu ir desenvolvendo, por exemplo, recentemente fiz um violão double neck. Já outros projetos, vem direta e simplesmente de minha vontade de fazer, são coisas que eu vou amadurecendo, vendo projetos inspiradores de outros artesãos. Tenho vários projetos em mente como uma Harp Guitar, uma guitarra acústica Archtop de menor tamanho, outro violão double neck com cutaway no estilo florentino e com “sound holes” na lateral, e tenho trabalhado nas horas vagas em um violino, ou seja, meu hobby nas horas vagas da luthieria é trabalhar com luthieria! Faço instrumentos sólidos, acústicos e archtop e cada um tem sua particularidade e desafios diferentes, assim como os captadores que são um capítulo a parte. Este leque de atividades e subdivisões que me interesso e pratico dentro da luthieria me proporcionam flexibilidade conhecimento e confiança para desenvolver projetos mais complicados.


Les Paul
(GMB): Com a recente alta do dólar o preço dos instrumentos musicais importados subiu bastante. Você acha que essa disparada do dólar pode ser benéfica para os fabricantes brasileiros de guitarras custom shop?

(HC): Tenho dúvidas, é complicado prever o que pode acontecer e o caminho que o mercado toma. Seria benéfica se pensarmos somente no uso de materiais nacionais, mas, infelizmente, ainda dependemos muito de peças importadas para nossos projetos. Trastos, potenciômetros, tarraxas, pontes, todo o material para se fazer os captadores, madeiras, máquinas e acessórios necessários para o ofício, até cola, tudo é importado e sujeito a impostos.
É certo que o aumento de pessoas interessadas em se tornar luthier vai aumentar a demanda por peças e ferramentas nacionais, em um determinado momento a indústria começará a suprir alguns itens, inclusive isto tem acontecido, mas tudo é muito lento ainda.
Fazer bem feito com materiais de primeira custa mais, mas não dá para abrir mão da qualidade. Acredito muito que o que faz o mercado crescer é preço e qualidade, um preço justo pela máxima qualidade. Se alguém encomenda um instrumento de um luthier e não fica contente com o resultado, ou percebe que não foi tratado como o combinado, vai achar que todo luthier trabalha assim e vai espalhar isto no mercado. Ao passo que quando o cliente percebe que tudo foi perfeito ele sempre volta e ainda indica a mais pessoas.
Outro ponto é que infelizmente os bons músicos, que são nossos potenciais clientes, no Brasil não têm seu trabalho valorizado, impedindo que invistam em projetos customizados. Acho sinceramente que uma melhora no mercado somente vai ocorrer com uma evolução cultural, em todos os sentidos, isto é, os músicos serem mais valorizados, terem conhecimento do que realmente é um bom instrumento e para avaliar o que é o trabalho de um bom luthier.
Acho também que a luthieria precisa evoluir no sentido dos profissionais realmente estudarem as matérias básicas para desenvolvimento do ofício, por exemplo, acústica, propriedades físicas das madeiras, etc. Em consequência disso, o nível de conhecimento aumentará e começaremos a ver opiniões e avaliações baseadas em fatos e não em mitos.


(GMB): Você considera o fetiche por produtos de marcas consagradas como o principal empecilho para que o mercado de guitarras custom cresça em nosso país? 

(HC): Acho que tem muito disto. Posso citar como exemplo, o fetiche em ter uma ES 335 semi acústica e pagar caro, a partir de U$5.000,00 (dólares mesmo) por uma guitarra com o top em laminado. Nada contra o uso do laminado, desde que tivesse o preço justo, mas as pessoas não se dão conta ou não avaliam detalhes de construção, estão mais preocupados com o status do adesivo no headstock, mas não é só isso. Alguns chegam ao absurdo de enganarem a si mesmos comprando guitarras falsas de determinada marca, é triste!
Eu trabalho somente com madeira de qualidade, não uso laminado, uso as melhores peças das melhores marcas, importo material e madeiras e pago muito imposto sobre isto, enrolo meus próprios captadores, tenho um pequeno porém completo laboratório para testes e desenvolvimento destes captadores, tudo isto pelo simples fato de que um instrumento customizado e quem o encomenda merece este respeito, trabalhar assim tem um custo que não dá para repassar totalmente ao instrumento. Tem muito luthier no Brasil trabalhando desta mesma forma séria e fazendo custom de verdade a uma fração do custo que alguns pagam somente pelo fetiche do adesivo do headstock.
Muitas vezes eu faço uma cotação para um instrumento totalmente customizado, por exemplo, uma guitarra com top em Maple figurado, corpo em Mogno, escala em Ébano, marcações em madrepérola personalizada, peças dos melhores fabricantes e o cliente compara com o preço de instrumentos de entrada, o modelo mais simples e básico de uma determinada marca famosa, que não leva nada de qualidade superior em sua configuração. Existem também os que pagam muito caro por uma custom shop de marca famosa, e você avalia o instrumento e vê claramente que de “custom” muitas vezes tem somente uma pintura especial ou uma cor diferente. Mas não podemos negar o poder do marketing sobre as pessoas, principalmente se o conhecimento para fazer uma análise de valores for limitado.

Luthier Henry Canteri colocando a mão na massa.


Matheus Canteri demonstra a guitarra Tele-Scrap



CONTATOS HC CUSTOM GUITARS (LUTHIER HENRY CANTERI)







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