Bate-papo com o guitarrista Mauricio Cailet


Saudações, pessoal!

Tem entrevista nova na rede. Conversamos com o guitarrista, produtor e compositor Mauricio Cailet, que possui currículo extenso como músico de estúdio, participação em palco com diversas bandas paulistanas, carreira solo dedicada ao rock instrumental e atualmente exerce a função de gerente de mídias sociais e desenvolvimento de produtos na Klingen Guitars, cargo que também ocupou na Music Maker Custom Guitars. Além desses trabalhos, foi transcritor da revista Cover Guitarra e fez as revisões técnicas das edições nacionais dos livros: “Queen” (escrito por Phil Sutcliffe) e “Luz & Sombra: Conversas com Jimmy Page” (por Brad Tolinski).

Lançou seu primeiro disco solo “Time’s Up” em 2013 e o single da música “Feelin’ Good” em 2017, trabalhos autorais marcados pelo virtuosismo nas seis cordas e pela excelente produção.

Durante o bate-papo ele nos contou um pouco sobre quando e como foram seus primeiros passos na guitarra, mercado musical, projetos vindouros, dentre outros assuntos.

Mauricio Cailet em ação (foto por Eduardo Sardinha)

Guitarras Made In BraSil: Quando você começou a tocar guitarra? Você é autodidata ou teve algum estudo formal?

Mauricio Cailet: Tive meu primeiro contato com o violão aos seis anos de idade. Minha madrinha dava aulas de violão e um amigo do meu pai me deu um violão infantil com cordas de nylon "Ao Rei dos Violões" de presente de aniversário. A primeira guitarra (uma Retson Flying V) ganhei do meu pai aos onze anos de idade, fiz algumas aulas no Centro Musical R.M.F. no bairro de Moema SP/SP e posteriormente estudei por um breve período no IG&T (primeira edição) na Av. República do Líbano, em frente ao Parque do Ibirapuera. Nessa época tive aulas com Wander Taffo, Faíska, Mozart e Wesley "Lély" Caesar. Como era o começo da escola e o número de alunos ainda não era o suficiente para montarem várias turmas, lembro que Edu Ardanuy, Átila Ardanuy e muitos outros amigos faziam parte da mesma turma/sala onde eu estudava... Bons tempos! Depois dessa época, estudei sozinho, sem acompanhamento de orientador.


Guitarras Made In BraSil: Quais são suas principais influências na guitarra?

Mauricio Cailet: Como ouço rock desde muito pequeno, a maior parte das minhas influências vem de guitarristas desse estilo. Randy Rhoads, Eddie Van Halen, Brian May, Angus Young, Jan Akkerman (Focus) e Wolf Hoffmann (Accept) me influenciaram muito num primeiro momento. Posteriormente, comecei a ouvir muito Steve Morse, Joe Satriani, Steve Vai, Trevor Rabin e Steve Lukather. Curiosamente, Hendrix, Page e Blackmore não foram grandes influências na minha musicalidade, apesar de ouvi-los esporadicamente quando mais jovem. Elegi Steve Morse e sua obra como norte pra minha arte.


Guitarras Made In BraSil: Você lançou um disco instrumental em 2013 – o Time’s Up. Qual é o principal desafio ao compor música instrumental? Você pretende lançar novos discos nesse formato?

Mauricio Cailet: Compor algo que expresse seus sentimentos através de um instrumento musical como a guitarra, sem o auxílio de um cantor ou letras e fazer com que suas ideias atinjam o ouvinte (e que ele entenda o que o compositor quis passar) é um grande desafio por si só. Músicas que não tenham riff marcante, melodias de rápida assimilação e um solo que "arrepie", não me emocionam, e procuro levar isso em consideração quando componho. A escolha de um bom motivo rítmico, o arranjo correto e a perfeita escolha de timbres são elementos cruciais para um bom resultado final. A perfeita interação entre todos os elementos e instrumentos podem transformar uma simples ideia numa música grandiosa. Sempre levo essas questões em consideração quando componho. Qualquer novo lançamento que eu venha a fazer será provavelmente em formato instrumental. É a forma com a qual me expresso melhor, apesar do alcance menor em termos de público.


Guitarras Made In BraSil: Os veículos de imprensa têm noticiado nos últimos meses uma crise no mercado de guitarras, destacando o problema de solvência da Gibson e o insucesso da Fender em atrair investidores na bolsa de valores americana. A que você atribui essa crise?

Mauricio Cailet: Na realidade é uma crise que surgiu alguns anos atrás e foi se agravando mundialmente. A questão da Gibson é um caso claro da conjunção de fatores, que vão desde decisões errôneas no que diz respeito a gerenciamento e posicionamento de mercado da marca, a não estarem atentos às novas tendências do mercado e ao real desinteresse das novas gerações pelo instrumento em si. A Fender, apesar de ser uma empresa mais "antenada" com as novas realidades do mercado, acaba sofrendo as consequências de uma geração que prefere ouvir e produzir música eletrônica e digital, de forma menos "orgânica". Talvez os últimos ícones da guitarra pros jovens tenham sido o Slash - num alcance mais amplo - e para os estudantes de guitarra o Petrucci, mas isso foi em meados dos anos 90... Garotos e garotas cresceram nos anos 2000 sem um ídolo empunhando uma guitarra com atitude rebelde, como fizeram os ídolos das gerações dos anos 60, 70, 80 e até 90, mesmo com a chegada do Grunge. Talvez o maior ídolo na guitarra dos jovens atualmente seja o John Mayer, mas pessoalmente o considero uma imagem um pouco "estéril" no que diz respeito à rebeldia - apesar de ser um excelente músico e artista - bem diferente do que foram Hendrix e Eddie Van Halen para suas respectivas gerações. A "molecada" crescia com o sonho de ser um grande astro do rock, empunhando uma guitarra, como seus heróis faziam. Atualmente vivemos num mundo onde bares preferem que o guitarrista da banda não leve um amplificador e ligue em linha, grandes bandas de rock - com a maioria dos integrantes com mais de 40 anos de idade - utilizam simuladores de amplificadores para facilitar a logística das turnês e as igrejas, onde grande parte dos jovens que ainda se interessam por guitarra costumam tocar, também tem suas limitações com volume e tipo de timbre. Rebeldia parece um termo que não cabe mais na guitarra contemporânea.
Os grandes fabricantes de guitarra no mundo talvez não se recuperem tão cedo dessa crise, pois têm estruturas enormes que demandam grandes custos para se manterem na ativa num mercado mundial que não absorve mais toda a produção, como era o costume no passado. Os pequenos e médios fabricantes enxergam essa crise como o momento oportuno pra se solidificarem no mercado, principalmente oferecendo produtos personalizados e com custo mais baixo que as divisões Custom Shop das grandes empresas. A demanda caiu a um ponto em que as pequenas e médias suprem bem o mercado e as gigantes ficaram com linhas de produção ociosas, até porque, quem compra os produtos relacionados a guitarra atualmente já são os iniciados, músicos de carreira ou aficionados pelo instrumento. Talvez a única grande que passe ilesa por essa crise seja a Ibanez, que sempre adequou sua linha com as exigências do mercado. Com tantas alternativas de entretenimento no mundo digital moderno, a guitarra deixou de ser um produto desejado pelos mais jovens.


Guitarras Made In BraSil: Muitos artistas se sentem desestimulados em gravar novos álbuns ou compor novas canções em razão da baixa venda em mídia física ou baixa remuneração recebida pelas plataformas de streaming e pela pirataria virtual. O que você acha disso?

Mauricio Cailet: É uma relação complexa... Hoje toda informação corre rapidamente e tem um alcance absurdo, porém essa facilidade gerou outros tipos de dificuldade pra quem produz sua arte. Com raríssimas exceções, quem ouve música acredita que o artista tem a obrigação de entregar sua arte para apreciação a custo zero, o que além de não ser a realidade, é um tremendo absurdo. Existem muitos custos na produção de um novo single ou álbum completo, apesar da facilidade da gravação digital - eu mesmo, assim como vários artistas, gravo minhas guitarras em casa - os custos que envolvem ensaios, arranjos, locação de estúdio para gravação de bateria, mixagem, masterização, prensagem de mídia física, material gráfico e cadastramento das obras nas plataformas digitais custam dinheiro. Isso sem contar o investimento em equipamento, estudo etc. Com um álbum completo e dois singles nas plataformas digitais, recebo uns trinta centavos de dólar por mês de royalties, o que simplesmente torna o ato de gravar e vender sua música digitalmente inviável. Por sorte ainda vendo alguns CDs (mesmo após cinco anos depois do lançamento) para pessoas que fazem questão de ter a mídia física. Só consegui amortizar o investimento feito em 2013 agora em 2018. Realmente é um quadro desestimulante, principalmente se levarmos em consideração que os shows serviriam para a venda dos CDs, porém, praticamente nenhum espaço abre sua agenda para música instrumental, principalmente a focada em guitarra. Paradoxalmente, creio que nunca tivemos tantos bons lançamentos do estilo aqui no país! Quem ainda produz um novo trabalho, o faz mais por amor e necessidade de expressar sua arte do que pela questão comercial, mas amor não paga as contas referentes a um novo lançamento. Quer apoiar seu artista predileto? Compre seu material, seja físico, digital ou merchandising!


Guitarras Made In BraSil: A forma de ouvir música através de mídia física (vinil, cd, cassete) não é mais hegemônica no mercado musical, perdendo espaço para o streaming (Spotify, Google Play, YouTube, dentre outros). Você enxerga essa mudança como positiva para o músico e para a música em geral?

Mauricio Cailet: No aspecto de remuneração, é extremamente negativo. Já na questão de alcance de público é muito positivo! Pra quem faz um trabalho de apelo popular, é uma ótima solução para formatar seu público, atingindo um número maior de ouvintes. Já pra quem faz um trabalho de nicho, as coisas complicaram bastante, pois quem não tem interesse neste tipo de música (instrumental), vai ignorar seu trabalho, mesmo numa playlist que eventualmente toque por aí. E quem gosta do estilo, não vai sair de casa para prestigiar os shows ou workshops, onde o artista teria a chance de capitalizar seu trabalho. Afinal, hoje você encontra praticamente qualquer show e qualquer álbum disponível na internet. Muito mais confortável curtir as coisas no conforto do lar, não é mesmo? Pena que o artista simplesmente não ganha nada com isso em termos financeiros e quando ganha, são migalhas... Outra questão é o padrão de qualidade de reprodução nos meios digitais, que é bem alto. No passado, as pessoas queriam ir ao show pra ver como os músicos tocavam determinadas obras, pra sentir a sonoridade dos instrumentos numa reprodução direta, sem os chiados da fita K7 ou a estática do LP em vinil. Hoje o ouvinte tem a mais pura qualidade de reprodução no celular e com o "plus" da imagem! Pra que ele vai sair de casa, gastar com estacionamento ou táxi/Uber, entrada, comida e bebida, tudo isso pra ouvir um som com qualidade inferior ao que ouviu nas plataformas digitais (sim, a maioria das casas de shows tem acústica péssima, equipamento ruim ou material humano com baixo preparo) e ainda correr o risco de "gastar" mais dinheiro comprando o CD do artista? Essa mudança na forma de ouvir música trouxe mais vantagens pro ouvinte do que pro artista, sem sombra de dúvidas.


Guitarras Made In BraSil: Você acha que o músico profissional é valorizado aqui no Brasil?

Mauricio Cailet: Não mais. Quando havia grandes artistas brasileiros fazendo música de alto nível e qualidade, ter bons músicos era uma exigência básica. No momento em que os trabalhos mais populares atualmente no país se resumem ao "funk carioca" e ao "sertanejo baixo-nível", não existe a menor necessidade de contratarem músicos com alto nível de excelência. A música produzida e os arranjos não exigem muito mais do que músicos com poucos anos de estudo e experiência rasa. A questão é que bons músicos precisam trabalhar e acabam sem saída, sendo obrigados a aceitarem cachês baixos e péssimas condições de trabalho, muitas vezes tocando coisas com as quais não tem o mínimo de afinidade ou apreço musical e artístico. Como a qualidade foi nivelada por baixo e a necessidade de sobrevivência fala mais alto, a desvalorização do músico profissional se torna mais evidente.


Guitarras Made In BraSil: Você coleciona guitarras? Tem algum modelo preferido?

Mauricio Cailet: Adoraria, mas não sou colecionador (risos). Trabalhei e me esforcei para ter os modelos de guitarras com os quais sempre me identifiquei e que eram ferramentas necessárias para os trabalhos que já fiz. Cheguei a ter dez instrumentos, entre guitarras, violões e um contrabaixo, mas conforme não precisei mais desses equipamentos para os trabalhos que apareciam, reduzi o "arsenal" para apenas seis guitarras, dois amplificadores e um pedalboard básico. Viro-me bem com esse equipamento. Sem sombra de dúvidas meu modelo predileto é o "signature" do Steve Morse, o EBMM Steve Morse Model. Tenho uma Standard e uma Y2D. Gosto muito das guitarras da Music Man e também tenho uma Silhouette com vinte e quatro trastes. Tive três Music Maker modelo M2C (fabricadas sob minhas especificações) e atualmente mantenho apenas a M2C Classic Tone Ruby Red, equipada com captadores Gibson mini-humbuckers. Além das três Ernie Ball Music Man e da Music Maker M2C, tenho uma TLS Music Maker Sparkle Orange com escala de 25" - como nos modelos M2C - e uma Cort S2800 que é minha desde nova, comprada em 1999.


Guitarras Made In BraSil: Você trabalhou como gerente de mídias sociais e prestou consultoria no desenvolvimento de alguns instrumentos fabricados pela Music Maker e atualmente trabalha como gerente de mídias sociais e desenvolvimento de produtos na Klingen Guitars. Como você enxerga o mercado de instrumentos custom no Brasil? É um segmento que já se consolidou?

Mauricio Cailet: Após minha parceria como artista com a Music Maker e depois de desenvolver com o Ivan Freitas meu modelo M2C, fui convidado por ele para coordenar a produção na fábrica, já que as encomendas estavam crescendo e por algum motivo a produção não acompanhava a demanda. Fiquei nessa função por alguns meses e posteriormente fui cuidar das mídias sociais da empresa, além de sugerir algumas soluções nos instrumentos da marca. Depois de quatro anos na Music Maker, fui convidado pelo Gustavo Konno da Klingen Guitars para desempenhar essas funções na empresa. Gostei bastante do trabalho dele, da tecnologia empregada nos projetos e construção e abracei o desafio. A Klingen é uma empresa muito nova, se comparada aos vinte e seis anos de existência da Music Maker, mas tem um tremendo potencial. Muita gente já conhece a marca, apesar de apenas dois anos de existência e diversos músicos demonstram um grande interesse nas guitarras Klingen - alguns até já compraram guitarras da marca, coincidentemente após o início do meu trabalho nas mídias sociais da empresa. O mercado custom no país está consolidado, mesmo com a crise mundial, pois finalmente as pessoas entenderam que, praticamente pelo valor de uma Fender American Standard usada, é possível adquirir um instrumento de construção superior aos fabricados em grandes quantidades, com as melhores madeiras, melhores especificações, melhor hardware que existe no mercado mundial e ainda por cima, elaborado sob suas especificações. Existem vários fabricantes nacionais indo por esse caminho, mas por enquanto as três marcas que tem a melhor qualidade de construção e menor desvalorização numa eventual revenda (essa questão preocupa - e com razão - quem vai investir numa guitarra custom) são Zaganin, Music Maker e Klingen (não necessariamente nesta ordem). Se bem que ainda não temos Klingen no mercado de usados... Outras marcas ainda chegarão nesse nível, pois várias têm reunido qualidades pra isso.


Guitarras Made In BraSil: Quais dicas você daria para quem pretende ser guitarrista profissional?

Mauricio Cailet: Estude, domine seu instrumento, seja cuidadoso com timbres, com apresentação pessoal e esteja preparado para trabalhar em equipe. Nem sempre a guitarra será o assunto principal dos trabalhos que você vai participar, portanto, saiba ouvir e seguir algumas regras daquele determinado trabalho. Procure vivenciar as experiências de quem vai consumir o tipo de trabalho artístico do qual vai participar. Isso ajuda muito no domínio da linguagem e reflete positivamente no resultado musical. Equipamento bom e confiável é essencial para que você desenvolva bem sua função. Por outro lado, só invista no melhor que for possível dentro da sua atual condição financeira. Se o trabalho remunerar bem, invista em ferramentas melhores com o passar do tempo. E sempre toque para a música!


Guitarras Made In BraSil: Como estão os projetos para este ano?

Mauricio Cailet: Em 2015 comecei a compor material para um novo álbum, pois planejava dar sequência ao projeto iniciado com o lançamento do "Time's Up" em 2013, que previa shows e workshops, porém as coisas não rolaram como o planejado e no final de 2016 desmontei meu trio. Em 2017 lancei um novo single - "Feeling Good" - e em breve lançarei mais um nas plataformas digitais - a música "Sunset Blvd." - por enquanto disponível apenas em videoclipe no YouTube e Facebook. Pode ser que futuramente eu lance mais um álbum completo, compilando estes "singles" com mais material inédito, já que tenho mais músicas compostas. Não toco frequentemente na noite desde 2015 e no quadro atual, não pretendo formar outra banda tão cedo. O mercado de covers não me atrai mais e o mercado autoral pra minha música é muito restrito, no que diz respeito a apresentações ao vivo, mas quem sabe as coisas mudem de figura... Gravei algumas participações em trabalhos de amigos e eventualmente participo de algumas "jams virtuais". Meu foco atual está mais em trabalhar nos bastidores do mercado do que na minha carreira artística, mas continuarei investindo na minha arte, porém mais lentamente e em doses homeopáticas.

Clipe da música "Feelin' Good"


Maurício Cailet na web:












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