Bate-papo com o luthier Henry Ho


Saudações, pessoal!

No bate-papo da vez, temos a honra de contar com a participação de Henry Ho, luthier, professor, guitartech (técnico de guitarra) e técnico de backline.

Há cerca de vinte anos, junto com o também luthier Márcio Benedetti, fundou a pioneira B&H Escola de Luthieria. Pelas bancadas da B&H passaram vários profissionais atuantes no mercado brasileiro e também hobistas.

Como técnico de guitarra e técnico de backline trabalhou com nomes de peso do cenário musical internacional. Para citar alguns: Lenny Kravitz, Dio, Blur, Ramones, Rolling Stones (Ron Wood), B.B. King, The Cardigans, Eric Clapton, Hammerfall, Blind Guardian, Glenn Hughes, Helloween, Joe Bonamassa, Justin Bieber, UFO, Ozzy Osbourne, dentre outros.

Foi colunista das revistas: Guitar Player Brasil, Cover Guitarra e Rock Brigade.

Durante a entrevista ele nos contou um pouco sobre seu início na luthieria, o surgimento da B&H, sua visão a respeito do mercado atual de guitarras, dicas e curiosidades sobre a carreira de técnico de guitarra e muito mais.

Henry Ho

Guitarras Made In BraSil: Quando se iniciou seu interesse pela luthieria? Conte-nos um pouco sobre sua trajetória na profissão.

Henry Ho:
Eu levava minhas guitarras na oficina do Eduardo Ladessa & Tiguez. Quando eles se separaram, Edu me convidou para trabalhar. Eu já tinha uma boa noção de manutenção e ajustes básicos. Regulava as guitarras com ação de cordas bem baixas, sem trastejar – o que era um grande diferencial na época. Sempre fui interessado pela parte técnica e o convite para ingressar numa oficina foi o início da trajetória. Na Ladessa, trabalhei com o Márcio Benedetti, meu atual sócio na B&H Escola de Luthieria, o Ivan Freitas da Music Maker, Eduardo Letti e o Cláudio Erlam.
Em 1989, fui embora para o Japão. Trabalhei na T.Kurosawa Co. Ltd., empresa do mercado musical (fabricante de instrumentos, rede de lojas de instrumentos, representante de marcas como: Stafford, Martin Guitars, Rickenbacker, Sigma, D´Andrea, Dean, Fishman e Orange Amplification). Na Kurosawa, comecei como estoquista, depois vendedor. Na loja, comecei a fazer regulagens e reparos e me tornei o luthier responsável pelo treinamento do staff de assistência técnica. Em 1996, fui promovido a gerente de loja e avaliador de instrumentos vintage. Na mesma época, trabalhei como guitartech local para muitos artistas: The Cardigans, Blur, Dio, Gatemouth Brown, Ramones, Lenny Kravitz e artistas japoneses.
Voltei para o Brasil em 1998, fundei a escola de Luthieria com o Benedetti, fui colunista das revistas Guitar Player Brasil, Cover Guitarra e Rock Brigade. Atualmente, além da escola, tenho minha oficina de luthieria, trabalho em shows como guitartech, backline tech e produção técnica. Sou consultor e parceiro de algumas empresas: Malagoli Captadores, Kosmon Ferramentas e Rotstage Amplificadores.


Guitarras Made In BraSil: Neste ano a B&H Escola de Luthieria, parceria feita com o também luthier Márcio Benedetti, completa vinte anos de existência. Como surgiu a ideia de montar uma escola de luthieria?

Henry Ho:
Voltei do Japão em 1998. Não tinha a mínima ideia do que faria profissionalmente. Enviei currículos para as empresas do ramo musical e não obtive resposta. Quase pensei em mudar de ramo. Mas numa conversa informal com o Benedetti, decidimos montar a escola. Não havia nada do gênero no Brasil. Eu já conhecia as escolas do Japão e resolvemos seguir o mesmo modelo.

Parceria de sucesso: Márcio Benedetti e Henry Ho

Guitarras Made In BraSil: Como você enxerga o mercado de luthieria brasileiro? Temos um mercado consolidado ou ainda faltam novos estágios a serem atingidos?

Henry Ho:
Não existe nada consolidado no nosso mercado musical. E muito menos no que se refere ao mercado de luthieria. Já tivemos épocas melhores com projeções promissoras. Mas tudo mudou e mudou rápido. Para o “futuro de agora” não houve uma transição suficiente para adequações imediatas. Vivemos uma nova época. Os tradicionais precisam se reinventar e os novos chegam ao mercado com dificuldades e incertezas. Nós tínhamos um simples método de venda e troca de mercadorias presencialmente. Fase a fase, chegamos nos dias de hoje com comércio virtual de alta performance, marketing viral etc. A dica é dosar os dois métodos. A guitarra é ainda uma mercadoria que precisa ser vista e tocada presencialmente. Ainda somos pequenos num mercado pequeno. Em setembro, estaremos na Music Show – que nesta edição dedicou um pavilhão exclusivo para os handmades.


Guitarras Made In BraSil: Quais são as maiores dificuldades enfrentadas no cotidiano profissional de um luthier?

Henry Ho:
Eu sigo uma premissa. Não existe dificuldade se houver logística ou planejamento. Por exemplo, compra de componentes. Eu geralmente tenho de tudo, desde o mais solicitado até o que raramente sai. Basta planejar. Tem coisas que obrigatoriamente devem constar. Mas e o componente que raramente sai? Eu tenho porque é o diferencial. Atendo rápido e isso atrai clientes. E falando em atrair consumidores, é talvez a maior dificuldade para a maioria. Como trabalho em eventos, shows e estúdios – me mantenho atualizado em relação a cena musical. Meu contato com os músicos é direto e no palco.

Guitarras Made In BraSil: Nos últimos meses, os veículos de imprensa têm noticiado uma crise no mercado de guitarras, destacando o problema de solvência da Gibson e o insucesso da Fender em atrair novos investidores na bolsa de valores americana. A que você atribui essa crise?

Henry Ho:
No caso da Gibson, é um fator interno. Eles simplesmente ignoraram por anos, as mudanças do mercado. Mantiveram-se tradicionais “demais”, hesitaram em atender as demandas técnicas das novas gerações. Outro fato que sucumbiu a Gibson, foi a aquisição de um negócio de 135 milhões, referentes a uma empresa de áudio e entretenimento doméstico da multinacional holandesa Philips. Já a Fender, é mais “moderninha”.  Produzem as linhas “standard” e criaram diversas divisões: custom order, custom shop, builder team etc., porém escorregou na política de vendas no próprio território. E cogitam fazer as vendas diretas para o consumidor final. No mercado de capitais e a crise desde 2009, a maior dificuldade é rolar a dívida e seguir investindo. Gibson e Fender estão nesse patamar, Gibson pior, como foi noticiado. E logicamente, tem muito a ver com o tipo de música que produzimos nos dias atuais. As referências são outras. Os ícones da guitarra e do violão são efêmeros – porque a música atual é mais descartável. E acredito que o mercado de usados cresceu e interferiu também na venda de novos.


Guitarras Made In BraSil: Além de ser luthier, você também é técnico de backline. Quais são as principais tarefas nesta profissão?

Henry Ho:
O técnico de backline cuida do equipamento de palco: guitarras, contrabaixos, violões, teclados, amplificadores, baterias, percussões, acessórios etc. É importante conhecer as particularidades de muitos modelos de único tipo de equipamento, por exemplo. Somos um dos primeiros a chegar, montamos tudo, desmontados e somos os últimos a sair. O técnico de backline pode montar sete palcos diferentes em uma semana, a cada dia. Somos prestadores de serviços fixo ou autônomos, contratados por locadoras de equipamentos ou pelas produtoras. Já um guitartech, é um técnico específico de cordas (guitarras, violões, contrabaixos) – mas que podem exercer múltiplas funções como cuidar também de teclados ou baterias. A rotina do backlinetech é mais variada – mudam os artistas, equipamentos e os locais. No caso do guitartech fixo de alguma banda ou artista – mudam os locais, mas o equipamento e a rotina são mais regulares. Faço as duas funções e sou contratado para ser diretor técnico de eventos e festivais.


Guitarras Made In BraSil: Você já trabalhou para vários artistas. Tem algum específico com quem você ainda não trabalhou e gostaria de trabalhar?

Henry Ho:
Gostaria de ter uma máquina do tempo e ter sido guitartech na década de 1970 e 1980. Seria muito insano ser técnico na época, trabalhar com o que tinha na ocasião. Já fiz muitos artistas dessas citadas gerações, mas foi nos tempos atuais. Lógico que foi um privilégio, mas em tempo real, teria sido fantástico.
E muitas vezes, nosso poder de escolha é baseado no nosso gosto musical. E isso nos priva do inesperado. Fui convidado semana passada para fazer “Rockers” – os jamaicanos do filme homônimo de 1978. Não é um estilo que eu curto, mas esse show em particular, reuniu os barões da história do reggae da Jamaica no mesmo palco. Artistas da raiz! Não teria sido uma escolha minha por opção, mas arrisquei. Sem dúvida, foi um momento memorável no qual tive um imenso privilégio de fazer parte.


Guitarras Made In BraSil: Imagino que você tenha muitas histórias sobre a vida no backstage. Existe algum caso inusitado que você pode nos contar?

Henry Ho:
Inúmeras! Como luthier, são muitas histórias desde hilárias até assustadoras. No backstage ou na estrada, são incontáveis. No Monster of Rock de 2013, trabalhei como guitartech para o Queensryche e o Ratt. No dia do show, o apresentador do programa americano That Metal Show, Eddie Trunk – que veio apresentar as bandas no festival-, veio até mim e disse: “Olá? O que você está fazendo aqui”? Eu (surpreso), “trabalhando com o Queensryche”! Eddie: “mas você deixou o Dream Theather”? Ou seja, achou que eu era o baixista John Myung, tocando com o Queensryche! E no exato momento, o guitarrista do Buckcherry diz: “já ia te cumprimentar achando que era o Herman Li do Dragonforce”!


Guitarras Made In BraSil: Como surgiu a parceria com a Malagoli para produzir o captador HH777? Pra você foi uma surpresa a aceitação comercial que ele teve, tendo em vista que ele virou uma referência nacional em termos de humbucker e um dos carros-chefes da empresa?

Henry Ho:
Eu já projetava captadores na terra do sol nascente para a marca Stafford e Fender Japan. Em 1997, desenvolvi jogos de captadores que equiparam diversas instrumentos da marca. O HH777 nasceu nesses projetos.  Voltei para o Brasil e o pickup ficou engavetado. Quando conheci o Erico em 2004, gerente comercial da Malagoli, fechamos uma parceria. Desenterrei o projeto e fiz algumas alterações, updates (principalmente para afinações baixas). Em 2005, na Expomusic, lançamos oficialmente o captador, quando recebeu o batizado de HH777. A aceitação do pickup foi uma surpresa enorme. Depois de 13 anos continuo me surpreendendo. Este ano a empresa fez o concurso da copa, através de votações – cada modelo de captador era como um time. Com oitavas, quartas, semifinal e final. E o HH777 venceu. Surpreendente que hoje em dia, o produto é referência de mercado.

Malagoli HH777, parceria com Ho.

Guitarras Made In BraSil: Quais dicas ou conselhos você daria para quem pretende iniciar na carreira de luthier ou técnico de palco?

Henry Ho:
São duas coisas bem distintas. Para luthier, o caminho mais indolor são os cursos. Aprender sozinho é penoso. Os cursos encurtam o caminho. É necessário um nível básico de luthieria: ajustes, regulagens, tipos de madeiras, hardware, parte elétrica, reparos e minúcias a respeito de marcas e mercado. É o mínimo para iniciar a carreira. Posteriormente, construir o primeiro instrumento. Não precisa ser um primor ou perfeito. Com o tempo, o capricho virá naturalmente. É um bom começo.
Para técnico de palco, além de saber fazer o mínimo nos instrumentos, é desejável dominar o restante da cadeia de sinal: efeitos, amplificadores, áudio e eletricidade. E técnico de palco deve conhecer muito bem outros equipamentos. E quando digo “outros”, me refiro também a violinos, baixo acústico, instrumentos de sopro, vibrafones e acessórios até inimagináveis como buttkicker, theremin e caixa Leslie. Ambas as profissões exigem muito de paciência, observação e muita psicologia com o público.


Henry Ho na rede

B&H Escola de Luthieria: http://bhluthieria.com/

Blog Oficial Henry Ho: http://henryho777.blogspot.com/

Blog Hellbucker (Roadie’s Tech Tips): http://hellbucker.blogspot.com/


Comentários

  1. Ano passado tive a oportunidade e o privilégio de passar a tarde na BH trocando idéias com o Henry Ho e o Marcio Benedetti. Tomamos muito café e aprendi um monte com o Henry com suas experiências como Guitar Tech.

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