Entrevista: Adriel Pagoto (Atlanti Guitars)

Originalidade e sofisticação: conheça um pouco sobre a história e os trabalhos desenvolvidos pelo luthier Adriel Pagoto (Atlanti Guitars)

 

Atlanti Convect e Voyager.

Adriel Pagoto é luthier especializado na construção de guitarras e contrabaixos, sendo responsável pela marca Atlanti Guitars, empresa sediada em Aracruz, Espírito Santo.

Todos os instrumentos são fabricados com muito zelo, originalidade e sofisticação, a partir do know-how adquirido com os anos de prática em solo nacional e de uma importante experiência internacional trabalhando na planta da Warwick - renomada fabricante alemã de instrumentos musicais.

Durante a entrevista, ele nos contou como iniciou sua trajetória na luteria, o surgimento da marca Atlanti Guitars, profissionais que o inspiram, a importância da inovação a partir do desenvolvimento de modelos próprios, madeiras que gosta de utilizar, dentre outros assuntos.

 Por Álvaro Silva (ahfsilva@gmail.com)

Como começou sua história na luteria? Conte-nos um pouco sobre sua trajetória e a criação da Atlanti Guitars.

Adriel Pagoto: Minha trajetória na luteria começou cedo, aos 13 anos de idade, numa brincadeira com meus primos. A ideia era apenas improvisar tambores com baldes e “guitarras” com vassouras, coisa de criança mesmo. Naquela altura eu nunca tinha visto uma guitarra na minha frente e não tinha nenhum parente, mesmo que distante, que tocasse uma. De repente, naquela tarde me vi com um pedaço de araribá na mão, uma das madeiras mais raras e bonitas da Mata Atlântica (daí o nome Atlanti), esculpindo com facão aquilo que viria ser a minha primeira tentativa de fazer um braço de guitarra. Nessa mesma época, eu estava maravilhado com a sonoridade da banda Queen especialmente com a voz de Mercury e os timbres carregados de delay e overloops de Brian May. Lendo um pouco sobre o guitarrista, logo me identifiquei com o fato dele ter construído junto com seu pai, Harold, a lendária guitarra “Red Special”. A partir desse dia, não larguei mais essa ideia e continuei a fabricar protótipos e a realizar testes (muitos deles malsucedidos). Pensei em desistir, mas o apoio irrestrito do meu avô foi decisivo, sou muito grato a ele. A profissionalização só veio anos mais tarde quando fundei a Cratone Custom Guitars. Operei um tempo com esse nome, mas logo fui contratado pela Warwick para trabalhar na Alemanha. Após uma breve passagem pela renomada empresa, decidi que minha realização estava em fazer meus próprios instrumentos. Resolvi voltar ao Brasil, e após um longo hiato de dois anos, recriei a marca com o nome “Atlanti”.

 

Atlanti Voyager.

Como foi trabalhar na fabrica da Warwick em Markneukirchen, Alemanha?

Em 2016, aos 20 anos de idade, me candidatei para uma vaga no controle de qualidade deles e fui aceito. Fiz uns preparativos alguns meses antes como curso de alemão e a emissão do meu passaporte Italiano que me daria permissão para residir e trabalhar sem a necessidade de visto. Chegando lá me deparei com uma realidade muito diferente em quase todos os aspectos. Meu primeiro contato com as instalações da fábrica foi fantástico, muitas máquinas e processos de última geração. Logo fui direcionado a minha função que era basicamente verificar, regular, reparar e enviar remessas de baixos da linha Rockbass. Achei o trabalho um pouco entediante, mas estive aberto as possibilidades que aquele lugar poderia me proporcionar. Muitos funcionários eram do leste europeu e eram pessoas de fácil convivência. Porém, os chefes alemães eram “exigentes” e sempre muito rígidos mesmo com a menor das tarefas. Além dessas adversidades no trabalho, a cidade era pequena e brutalmente atrasada apesar de ser uma cidade na Alemanha (o que nos leva a pensar em um lugar desenvolvido e tecnológico), sem contar o enorme déficit de jovens e eu era o único brasileiro da cidade. Com tudo isso na balança, optei por retornar ao Brasil, reconfigurar meu trabalho e criar a Atlanti, certo de que isso me traria mais qualidade de vida.

Algum luthier ou marca te inspirou ou ainda inspira?

Adriel Pagoto: De certa forma, Brian May foi uma grande referência. Ao ler sua biografia me senti credenciado a buscar, assim como ele, soluções alternativas com originalidade. Isso porque a guitarra dele fora feita com materiais não tão usuais (como peças de moto na ponte tremolo) e com muita engenhosidade. Também admiro muito o lendário Leo Fender, não só pela dimensão que as guitarras Fender têm hoje, mas por sua capacidade de ter enxergado a guitarra como instrumento do futuro lá nos anos 50. Em minha opinião, a leitura que ele fez do cenário industrial e artístico do pós-guerra nos EUA foi crucial para toda história da música do século 20 e 21 e o fato de ter feito projetos simples, que mesmo assim, apresentam um design atemporal com forte apelo nos dias atuais.

Além da construção de guitarras, você fabrica outros tipos de instrumentos de cordas ou oferece algum outro tipo de serviço ao público?

Adriel Pagoto: Estou prestes a lançar uma linha de contrabaixos, na mesma pegada das guitarras, com shapes próprios, modernos e ergonômicos. Teremos modelos headless e versões multiscale. Não faço regulagens em instrumentos de terceiros devido a minha demanda de construção consumir todo tempo e esforço disponível (às vezes até demais).

 

Atlanti Arbor.

Você trabalha apenas com modelos próprios?

Adriel Pagoto: O foco são os modelos próprios, afinal de contas a minha primeira experiência no universo da luteria aos 13 anos, como citado na primeira pergunta, foi um projeto com linhas próprias, tortas, porém próprias. Minha intenção é difundi-los fortemente. Mas também sou procurado para fazer formatos customizados para o cliente. Entretanto, se solicitado, sou completamente apto a construir uma guitarra com formato mais tradicional, como strato ou tele.

Qual é a importância da inovação na luteria?

Adriel Pagoto: Inovar na luteria não é como inovar em setores industriais de tecnologia, onde produtos ficam obsoletos em questão de meses. Guitarras e baixos como Les Paul e Precision estão no mercado há mais de 60 anos com pouquíssimas modificações e exemplares de releituras que carregam características dos primeiros anos, ainda tem boa aceitação, é como se ainda vendessem carros e televisões dos anos 50 em lojas. Por isso não se pode comparar tão diretamente. Mas ao mesmo tempo, vivemos a era de ouro dos instrumentos handmade, nunca antes na história se teve tanto acesso a máquinas, madeiras, componentes e informação. Com tantos recursos, o nível está altíssimo, principalmente no exterior, e nesse cenário altamente competitivo, inovar torna-se tarefa essencial na busca pelo diferencial. Procurar aplicações e novas abordagens para processos e materiais antigos, solucionar problemas do passado de forma criativa e esteticamente boa, utilizar novos materiais e gadgets nas mais diversas partes é uma missão complexa que envolve testes e aprovação da comunidade de músicos.

 

Atlanti Epic.

Em linhas gerais, quais são as principais características de uma boa guitarra?

Adriel Pagoto: No meu ponto de vista, três pilares sustentam uma boa guitarra: o primeiro é o projeto em si, com as definições de boas madeiras, hardwares, captação de qualidade, alinhamento e posicionamento adequando dos componentes; segundo, é a sua ergonomia e aqui incluo as formas, os acessos, shapes do braço, rebaixos no corpo e todas as formas que emprego para tornar a guitarra “mais parte de quem está tocando”. Por último e não menos importante, o apelo estético, que faz parte sim de uma boa guitarra, o material escolhido para o acabamento, as cores, a dedicação nos detalhes. Afinal o que diferencia uma guitarra de luthier para uma guitarra de série industrial é a dedicação personalizada, nos mais diversos níveis.

Falando sobre madeiras, quais são as que você mais gosta de utilizar em seus projetos? Você é um entusiasta das madeiras nacionais?

Adriel Pagoto: Minha madeira preferida é o brasileiríssimo mogno. Uso na maioria dos corpos de instrumentos que faço. Madeira quase inodora, com uma trabalhabilidade e cores incríveis. Também uso o inigualável jacarandá-da Bahia, cedro-rosa, imbuia, maple e muitas outras. Entretanto, em todos os casos, é necessário a escolha de uma boa peça, isso vale para qualquer espécie. Teor de umidade correto, alinhamento dos veios e densidade adequada são os parâmetros principais.

Aprecio muito as madeiras nacionais e acho que são muito injustiçadas, apesar do forte movimento de valorização nos últimos anos. A parcela de culpa do setor madeireiro é grande, uma vez que não temos um sistema de classificação de grades de madeira figurada, falta de especificação dos cortes (radial e tangencial, por exemplo), dentre outras falhas que impedem uma maior valorização das madeiras brasileiras

 

Atlanti Satori 07 cordas.

Como você está lidando com a pandemia do coronavírus? Tirando os protocolos de segurança, ela afetou de alguma forma seu cotidiano profissional ou os negócios de seu empreendimento?

Adriel Pagoto: No meu caso, a pandemia se traduziu em aumento das encomendas. Imagino que muita gente que estava sem tempo para dedicar ao instrumento, usou o tempo extra que tivemos, principalmente na primeira metade do ano, para praticar e consequentemente almejar um instrumento novo. Em contrapartida a escassez de componentes disponíveis à pronta entrega no Brasil está grande, gerando enorme impacto no meu trabalho. Muito se deve a interrupção da produção em todo o mundo.

Teremos alguma novidade da Atlanti Guitars nesta reta final do ano?

Adriel Pagoto: Sim. Algumas boas novidades, além de uma sequência de guitarras com peças, madeiras e inovações bem legais, o site novo entrará no ar, teremos a linha de contrabaixos e a formação do nosso primeiro time de endorsers. 

Atlanti Convect 08 cordas.

 

Maiores informações no Facebook, Instagram e YouTube da Atlanti Guitars.

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