Entrevista: Sebastião da Rocha Jr. (Velha Guitarra Custom Relic)

Instrumentos novos com cara de velhos: conheça o meticuloso e convincente trabalho de relic feito pelo luthier Sebastião Rocha (Velha Guitarra Custom Relic).

Um fenômeno recente, que vem ganhando cada dia mais espaço no mercado de guitarras e contrabaixos, são os instrumentos novos com visual envelhecido artificialmente através de processos químicos e mecânicos que proporcionam aquela aparência surrada de “anos de estrada”. A esse processo dá-se o nome de relic, que também pode ser feito em instrumentos usados para causar um efeito vintage.

Muitas vezes, quando feito por profissionais que não possuem o devido apuro técnico, o resultado do envelhecimento fica notavelmente artificial e um tanto quanto caricato. Não é o caso das guitarras e contrabaixos que passam pelas mãos habilidosas do luthier Sebastião da Rocha Jr., responsável pela marca Velha Guitarra Custom Relic, empresa sediada na cidade de Araras/SP, que realiza trabalhos extremamente detalhados e muito convincentes esteticamente.

No intuito de conhecer um pouco do trabalho que ele vem desenvolvendo, conversamos um pouco com ele, que nos contou sobre o motivo que o levou ao mundo dos instrumentos “relicados”, o surgimento da empresa, alguns aspectos sobre o processo de envelhecimento dos instrumentos, referências profissionais, dentre outros assuntos.

Por Álvaro Silva (ahfsilva@gmail.com)

Luthier Sebastião da Rocha Jr. em ação.

Você poderia nos contar como surgiu a ideia de montar a Velha Guitarra e se especializar no processo de “relicagem” de guitarras/contrabaixos?

Sebastião da Rocha Jr.: A Velha Guitarra surgiu a partir de um desejo que tive de montar uma guitarra com o visual da Fender Stratocaster John Mayer Black 01, em 2016. Comecei a pesquisar pelo Brasil alguém que pudesse fazer essa guitarra, mas depois de quase um ano de procura não achei ninguém que fizesse como eu queria: acabamento em laca com o visual "clonado" nos mínimos detalhes, então pensei: "Eu mesmo vou fazer!".

Saí à procura de corpo e braço para iniciar o projeto e achei no Mercado Livre um cara vendendo uma Squier desmontada e sem acabamento de um projeto que ele havia desistido. Pois bem, comprei a guitarra e fiz a primeira BLK1. Visualmente ela ficou legal, do jeito que eu queria, mas o timbre não me agradou e resolvi partir para a segunda guitarra. Desta vez, optei por um corpo e braço mais legais, madeira maciça etc.

Anunciei minha "Squier BLK1" no Mercado Livre. Em um dia ele foi vendida. Ali já brilhava um futuro na minha cabeça. Com o dinheiro dessa guitarra, investi em peças para a guitarra que seria o porto de partida para a Velha Guitarra. Como sou formado em design gráfico e trabalhava com design e produção audiovisual, resolvi criar um canal e uma página do Facebook onde iria documentar todo o meu processo de construção da BLK1. Pronto! Nascia assim a Velha Guitarra, mas até então não tinha a intenção de profissionalizar nada. Com todo o material divulgado, a procura do público foi imediata, mas como não era minha ocupação principal, mas apenas um passatempo, fazia no máximo duas guitarras por mês, sem pretensão alguma.

Com o passar do tempo vários amigos e "clientes" ficaram no meu pé falando para oficializar a marca e começar um trabalho pra valer. Demorei dois anos para criar coragem, até que em fevereiro de 2020 resolvi dar as caras e oferecer os serviços ao público.

Pensei que a quarentena decorrente do COVID 19 fosse atrapalhar bastante o nascimento oficial da marca, mas para a minha surpresa, a resposta do público foi extremamente positiva e a marca segue crescendo num ritmo acima do esperado. Agradeço a todos por isso!

Réplica de uma John Mayer Black 1.

Quais são os tipos de produtos/serviços que você oferece atualmente ao público?

Sebastião da Rocha Jr.: Hoje meu foco principal é oferecer corpo e braço (no estilo Allparts) com acabamento relic em nitrocelulose. Também ofereço o serviço de refinish, mas sempre priorizando o acabamento relic. Decidi focar nesse mercado, pois gosto muito de instrumentos relic. Vejo um mercado crescente para esse tipo de instrumento.

Você fez algum curso específico ou o aprendizado se deu mais na prática?

Sebastião da Rocha Jr.: Não, nunca fiz curso, até por que desconheço algum curso relacionado. Fiz muitas pesquisas e fui pegando dicas com amigos que trabalham com pintura. Antes de tudo, fiz muitos testes em instrumentos próprios para desvendar os segredos e desenvolver minhas próprias técnicas para criar um relic convincente. Para mim o importante no relic é o resultado final, as ferramentas e as técnicas utilizadas vão de cada um. Por exemplo, dentro da própria Fender temos vários Master Builders que desenvolvem um trabalho incrível nesse sentido, cada um com estilo e técnicas peculiares, não há regras.

Frequentemente me procuram perguntando se dou curso ou algo do tipo para fazer relic. Porém, acho que é uma coisa muito pessoal, posso até ensinar e mostrar como se faz, mas se a pessoa não tiver isso dentro dela, o resultado pode não ficar legal. Resumindo, considero uma arte, descobri que gosto disso e muitas pessoas gostam da minha arte. A química bateu!

Telecaster com a clássica pintura Butterscotch.

Existe algum profissional ou marca que você tem como referência ou que te inspirou a iniciar os trabalhos com relic?

Sebastião da Rocha Jr.: Com certeza a maior marca no ramo é a Fender. Quando ela começou com a linha relic não foi bem aceita, mas com o tempo o público entendeu a proposta e aprendeu a admirar os instrumentos relic. Foi um caminho sem volta.

Os profissionais que me inspiram são os próprios Master Builders da Fender, nomes como John Cruz (já desligado da Fender), Dale Wilson, Paul Waller, Jason Smith, Todd Krause, Yuriy Shishkov, Todd Krause, dentre outros. Eu sempre via esses caras nos livros da Fender, no site, nas redes sociais, com certeza veio muita inspiração junto. Posso dizer que o Dale Wilson foi um cara especial, pois quando postei minha primeira guitarra no instagram ele curtiu e fez um comentário positivo elogiando meu trabalho. Desde então ele me segue nas redes sociais e interage com minhas postagens, ter um cara desses de olho no meu trabalho é um prazer enorme para mim.

Seria possível explicar um pouco como são feitos os trabalhos de relicagem?

Sebastião da Rocha Jr.: De forma simples e resumida, o relic precisa trazer ao instrumento uma história. Não é apenas sair batendo, lascando ou, como alguns fazem, tacando fogo no instrumento. O relic precisa mostrar as marcas que o instrumento teria se tivesse muitos anos de estrada. Meu processo começa com a pintura em nitrocelulose, como sempre falo: "no lacquer, no relic". Para recriar o visual de um instrumento antigo precisamos usar o mesmo tipo de acabamento usado nos anos 50, 60, 70 etc. Depois de pintado, começo a imaginar o instrumento pronto, é a fase de criação mesmo. É tudo no improviso, baseado no meu bom gosto e experiência, por isso gosto de dizer que é uma arte, o relic vem com uma pintura sem muito ensaio não sei explicar.

Por se tratar de um trabalho minucioso, geralmente demora quanto tempo para finalizar um instrumento?

Sebastião da Rocha Jr.: A preparação para a pintura e a própria pintura levam em torno de quatro dias. O demorado é a secagem do verniz nitro, que pode levar quarenta dias. Para conseguir trabalhar e usar minhas técnicas não faço nada antes de trinta ou trinta e cinco dias depois de pintado.

 

Atenção aos mínimos detalhes.

O resultado do trabalho de relic fica melhor quando feito em acabamentos em nitrocelulose ou é possível atingir um bom resultado em instrumentos à base de poliuretano?

Sebastião da Rocha Jr.: Se a ideia é fazer um relic autêntico não existe outro tipo de acabamento para isso a não ser o nitro. Partimos do princípio que o relic é a recriação de um instrumento vintage, que por sua vez era pintado em nitro. O nitro é um acabamento fino e muito sensível, por isso os instrumento ficam velhos e "relicados". Imagina se uma Fender 1954 fosse pintada em PU... ela estaria brilhando até hoje e não teria o charme de uma Fender 1954. 

Alguma novidade programada para este finalzinho de ano?

Sebastião da Rocha Jr.: Para o final de ano não tenho nada programado para o "público". Estou fazendo diversas reestruturações internas para suportar o aumento dos pedidos. Para o ano que vem tenho algumas coisas em mente para facilitar o processo de compra realizado pelos clientes.

Como adquirir os produtos Velha Guitarra Custom Relic?

Sebastião da Rocha Jr.: Atualmente a compra/encomenda é feita diretamente pelo contatos disponíveis no Instagram, Facebook e WhatsApp. Estou com um site praticamente pronto que estará disponível no ano que vem.

Instrumentos finalizados em preparação para envio.

Considerações finais.

Sebastião da Rocha Jr.: Primeiramente, gostaria de agradecer o convite para fazer essa entrevista, é muito importante esse trabalho que você (Álvaro) tem feito. Parabéns! Quero agradecer aos clientes que a cada dia fazem a Velha Guitarra ganhar seu espaço no mercado em meio a tantas outras empresas de qualidade que temos no Brasil. Não é fácil oferecer esse produto/serviço no Brasil, pois ainda temos uma carência de matéria-prima e ferramentas, quando tem, tudo custa muito caro. Fica aqui também meu enorme respeito a todos os profissionais da área que fazem seus trabalhos da melhor forma possível mesmo diante de tanto obstáculos. Espero conquistar cada vez mais pessoas com o meu trabalho e melhorar a cada dia. Grande abraço a todos!

Detalhes ricos: acabamento Hendrix Monterey.

Maiores informações no Facebook, Instagram e YouTube da Velha Guitarra.

Comentários

  1. Trabalho de primeiríssima qualidade!
    A dedicação do luthier Sebastião é impecável em cada detalhe, cada peça.
    Eu, como cliente, confio e recomendo 100%.

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  2. Agradeço demais a oportunidade de falar um pouco sobre o trabalho realizado na Velha Guitarra.
    Obrigado Álvaro pelo espaço e parabéns pelo blog, precisamos cada vez mais de pessoas como você divulgando os trabalhos "escondidos" nesse nosso Brasil. Um grande abraço e vida longa ao blog!!!

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  3. Parabéns! O trabalho é incrível! Entrevista top!

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  4. Ótima entrevista e um ótimo profissional!
    Sucesso sempre, Tião!

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  5. Trabalho incrível!!! Amo demais sua dedicação! Entrevista top

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  6. Há 5 meses recebi minha Velha Guitarra SG Melody Maker e hoje ela é sem dúvida minha guitarra titular. Acabamento impecável, tocabilidade e timbre fantástico. Encontrei na Velha Guitarra a melhor maneira de adquirir um instrumento customizado com excelência na qualidade. Já encomendei meu segundo instrumento, uma SG semi-acústica que está quase pronta, e tenho certeza que será a segunda de muitas guitarras que farei junto da Velha Guitarra. Recomendo!

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  7. Ótima entrevista! Tião sempre tratando todo instrumento com muito carinho e é isso que faz a diferença. Parabéns pelo trabalho.

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  8. Trabalho sencional, entrevista top, nota1.000 .

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  9. Sem palavras pra descrever o trabalho e o atendimento do Tião, é incrível do começo ao fim! Sucesso sempre Tião!

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  10. Muito boa a entrevista, não conhecia o trabalho e fui pesquisar, fiquei impressionado com o capricho e acabamento, realmente muito bom.
    Obrigado por informar e mais uma vez parabéns pela entrevista.

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