Bate-papo com o luthier Sérgio Kuns (Kuns Handmade Guitars)

Olá, pessoal!

Tenho o prazer de iniciar as postagens do blog apresentando o trabalho do luthier Sérgio Kuns, responsável pela Kuns Handmade Guitars, localizada em União da Vitória – Paraná.
A guitarra que será exibida e debatida é uma Les Paul Goldtop totalmente feita à mão pelo Sérgio.
Deixo aqui meus sinceros agradecimentos ao luthier Sérgio Kuns pela atenção e pela confiança na seriedade do nosso projeto.  
Bom, vamos à descrição do instrumento.


GUITARRA KUNS LES PAUL GOLDTOP


Corpo: curupixá
Braço: curupixá
Escala: jacarandá
Captadores: Malagoli P90 Custom Shop
Tarraxas: Wilkinson
Ponte: Tune-o-matic
Trastes: tamanho médio


BATE PAPO COM SÉRGIO KUNS


Guitarras Made In BraSil (GMB): Como começou sua história na fabricação de guitarras?

Luthier Sérgio Kuns
Sérgio Kuns (SK): Quando eu tinha 15 anos, eu cheguei a ter uma guitarra, daquelas bem baratas. Era horrível, se comparada com as Fender Stratocaster que o Malmsteen ostentava nas revistas Rock Brigade que eu comprava na época. Então pensei em mudar o shape: cortei, colei, lixei, pintei e consegui um formato bem próximo de uma strato, incluindo o headstock. Na pintura, coloquei umas faixas como uma guitarra Explorer que o Matthias Jabs (guitarrista do Scorpions) usava.  Posso dizer que foi meu primeiro contato com algum tipo de construção/customização. Não lembro bem, mas com certeza deve ter ficado um desastre!
Muito tempo passou, e mais recentemente (acho que faz uns 10 anos) tive uma vontade, que não sei de onde (re)surgiu, de construir uma guitarra a partir do zero. Então peguei umas madeiras de um sofá velho, umas madrepérolas, e comecei a fazer uma escala planejada para ser de uma Les Paul. Depois de 02 anos concluí o projeto, e a tenho até hoje, uma Les Paul totalmente feita à mão, com um timbraço e visual matador.

GMB:  Você aprendeu o ofício sozinho ou fez algum curso? Como foi seu aprendizado?

SK: Não fiz curso nenhum, mesmo porque onde moro isso não existe. Mas não posso ser injusto e dizer que aprendi sozinho, pois com a internet a gente acaba tendo acesso a todo tipo de informação. Então, muita gente me ajudou nesse aprendizado. Visitava fóruns de discussões da arte da luthieria, fazia perguntas, olhava vídeos no Youtube, enfim, muita gente me ajudou, e assim fui metendo a mão na massa, errando e acertando, pegando o jeito da coisa. Fiz muitas amizades naquele período, algumas que mantenho até hoje, e hoje quando alguém me procura pedindo dicas, sempre sou muito atencioso e paciente em ajudar porque lembro que foi o caminho que trilhei, e de quantas pessoas assim o foram comigo.

GMB: Você acha que a fabricação artesanal de instrumentos musicais é uma área bem reconhecida no Brasil ou ainda é pouco valorizada?

SK: Quando você consegue “fazer” seu nome, pode ser bastante valorizado sim. Há luthiers brasileiros que são conhecidíssimos e com isso o trabalho deles, além de bastante procurado, é bem remunerado. O problema que vejo é o pouco espaço que publicações especializadas em instrumentos de cordas (guitarras principalmente) dão àqueles que estão começando. Se você pegar uma revista de renome nacional, quais são os luthiers que frequentam as suas páginas? Os mesmos 2 ou 3 de sempre, que todo mundo conhece. São sempre eles que aparecem nas sessões de customização, dicas de como trocar cordas, escolha de hardware, etc... Provavelmente por algum tipo de acordo comercial, não sei ao certo do que se trata, mas o fato é que os novatos não encontram muito incentivo desse tipo de mídia, o que é uma pena. Essas revistas deveriam se utilizar da abrangência que possuem em todo o Brasil (e até no exterior) para divulgar novos nomes. Tem muita gente extremamente talentosa por aí, fazendo trabalhos maravilhosos. Outro ponto que pega é a questão da “marca consagrada”: infelizmente, quem adquire uma guitarra já pensando numa futura revenda, sabe que será mais fácil fazer isso caso seja de uma marca conhecida. Uma guitarra de luthier, por melhor que seja, não tem o poder de compra/venda que uma marca conhecida tem. Isso é uma questão cultural nossa, de valorizar às vezes mais a marca que o próprio objeto em si. Quanta gente não sonha com uma Gibson, assistindo aos vídeos do Slash, e no entanto não sabem que a lendária Les Paul usada por ele era na verdade uma réplica construída por luthier....

GMB: Existe algum tipo de material que você não utiliza de forma alguma em seus trabalhos?

SK: Claro. Em relação às madeiras, não uso nenhuma que não saiba ser adequada para esse ou aquele fim. Quando quero testar uma madeira, antes pesquiso para saber se pode ser usada num braço, por exemplo. Imagine construir um braço e só depois de todo o trampo (que não é pouco) descobrir que não era adequada para tal. No que diz respeito ao hardware, procuro fugir de coisas muito baratas, afinal que qualidade você terá numa ponte estilo Floyd Rose de 100 reais? Já cheguei a testar captadores baratos (chineses) que até tinham timbre interessante, porém, por não serem parafinados, apitavam demais. Nos materiais de acabamento também é necessário usar tintas e vernizes de boas marcas para garantir um melhor acabamento e uma boa durabilidade. Resumindo: não acho necessário pagar fortunas por hardware e madeiras “de grife”, mas também não acho correto querer economizar demais e comprometer todo um projeto.

GMB: Nesse caso específico da Les Paul Goldtop, tendo em vista que e o corpo e o braço foram fabricados com madeiras diferentes (curupixá) das tradicionalmente empregadas na construção das Les Paul clássicas (mogno e maple), como ficou o timbre da guitarra? Você poderia falar um pouco sobre o curupixá?

     SK: O timbre ficou excelente, pelo menos é o que penso. Isso pode ser conferido no cover de Hotel California (Eagles), que a banda Hardways disponibilizou no Youtube. É claro que o timbre deve ter ficado um pouco diferente de uma Les Paul tradicional, mas eu não sou nenhum Eric Johnson para perceber isso. Aliás, e porque precisaria ser? Acredito que uma guitarra deve unir bons timbre e visual, sem se prender a mesma fórmula de sempre. Lembre do Brian May, que construiu a Red Special sem se preocupar em reproduzir / imitar um timbre já existente. Usou madeiras da lareira que tinha em casa, peças velhas de motocicleta, e criou uma das guitarras mais lendárias do rock. Escolhi o curupixá, pois foi a madeira que encontrei com facilidade aqui na cidade onde moro. Lembro que na época procurei a opinião do grande mestre Luigi Cimafonte (RJ – um grande cara) sobre essa madeira, pois já havia gostado da aparência dela (que lembra bastante o mogno). Ele me disse que era uma excelente opção, tanto para o corpo quanto para o braço. Lembro bem que ele me disse que se encontrasse essa madeira lá, não usaria outra. Depois desses conselhos, comecei a usar o curupixá, e o resultado é muito satisfatório, tanto no timbre quanto no manejo da mesma.

GMB: Trabalhar com madeiras diferentes é uma proposta sua ou um anseio do cliente?

SK: Em primeiro lugar, uma questão de necessidade. Lembro que queria encontrar mogno para o primeiro projeto... Nem sinal! A venda dessa madeira é proibida. Cheguei a encontrar na internet por preços exorbitantes. Maple nem se fala... Então, depois que soube do curupixá (conforme disse na pergunta anterior) essa madeira passou a ser a minha principal opção. Mas gosto também de imbuia para braços e para tampos (pelo visual), já usei jequitibá (em corpos), ipê em escalas, enfim, costumo experimentar as madeiras que encontro por aqui, e que sei que servem para isso. Faço isso consciente de que o timbre poderá descaracterizar de algum modelo clássico, mas particularmente não me importo. Desde que o timbre seja bonito e a guitarra bem construída e, de preferência, sem um monte de emendas, mais parecendo uma colcha de retalhos, como encontramos por aí (inclusive em algumas marcas com preços bem altos).




Contato Kuns Handmade Guitars: https://www.facebook.com/sergio.kuns?fref=ts


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